Estipulação em Favor de Terceiro (Arts. 436-438) e
Contratos com Eficácia Protetiva para Terceiros
I. Estipulação em favor de terceiros
(arts. 436-438):
1. Conceito: Paulo Lobo: “Terceiro ou pessoa
que não é parte do contrato nem vinculado a este direta ou indiretamente pode
ser beneficiário de seus efeitos. Como decorrência o terceiro pode investir-se
em direito subjetivo e exigir seu cumprimento por força do instituo da
estipulação em favor de terceiros. Os efeitos do contrato desde que benéficos.
Podem alcançar o âmbito jurídico de terceiros.”
2. Exceção ao Princípio da
Relatividade dos Efeitos do Contrato: Em geral, quando Mariana e Felipe celebram um contrato, este é um
contrato que oferece efeitos para Mariana e Felipe, Felipe se interessa em
comprar um estojo, e Mariana se interessa em vendê-lo, as vontades se encontram
e o contrato é fechado, chamamos este fenômeno de relatividade dos efeitos do
contrato. O Princípio da Relatividade dos Efeitos do Contrato tem um símbolo
histórico, que é o art. 1134 do Código Civil Francês de 1804, que consta mais
ou menos a seguinte redação: O contrato tem valor de lei entre as partes que o
assinam, na doutrina brasileira esta leitura do art. 1134 recebe mais ou menos
a seguinte interpretação: Os terceiros são alheios aos vínculos contratuais,
logo não posso beneficiar ou prejudicar terceiros, se loca um salão de festas e
pago 10 mil reais para fazer uma festa em homenagem ao meu 30º aniversário, em
tese, quem não participa deste contrato, não tem nenhuma relação, pode
acontecer que eu convido 100 pessoas para festejar e eles acabam comparecendo,
mas para a sociedade em geral este contrato foi alheio. O que estudamos na aula
de hoje é uma exceção a esta regra geral, ou seja, por exemplo, Felipe resolveu
fazer uma pós-graduação no Japão, é um contrato que ele tem com esta
universidade japonesa, mas há situações excepcionais no direito brasileiro que
nós podemos realizar contratos com o objetivo de beneficiar os terceiros,
porque em algum momento o direito concluiu que é verdade que a Juliana e o Alan
celebraram um contrato que não vai atingir de forma alguma a Laura ou a
Carolina, mas porque o direito teria interesse em proibir uma negociação deles
com o objetivo de erguer uma casa na praia em um terreno baldio para ser
ocupado pela Laura? Porque o direito proibiria as pessoas de realizar ações que
seriam favoráveis aos terceiros? A doutrina diz que a razão pela qual o
contrato não atinge terceiros é que os terceiros não podem ser prejudicados
pelas relações contratuais alheias, os terceiros que tem que celebrar os
contratos que lhe interessam, e não teria sentido em proibir que dentro da
sociedade terceiros fossem beneficiados por contratos alheios, então surgiu a
figura estipulação e favor de terceiro, por exemplo, Laura está grávida de
trigêmeos e fala para o corretor de seguros que é jovem, está trabalhando bem
em um escritório, mas ela está com risco, pensa que pode morrer a qualquer
momento num acidente e pensa o que acontecerá com as crianças, e então ela
celebra um contrato de seguro de vida, não se contrata um seguro de vida para
ter uma garantia de que não vai morrer, e sim para que caso ocorra uma morte,
alguém indicado pelo segurado vai receber a remuneração, por exemplo, os
filhos, não faço um seguro de vida para me beneficiar, e sim para beneficiar
terceiro. Por exemplo, fiz um plano de previdência para meu filho recém-nascido,
e a cada mês deposito em uma conta para que ele tenha valor suficiente para
estudar em uma faculdade privada, passam-se 10 anos, e por alguma razão preciso
resgatar aquele dinheiro, qualquer um de nós pode buscar o cumprimento, uma
indenização dos valores. Há contratos em que o contratante não está tão
interessado na sua situação, ele está mais preocupado com o reflexo que vai
gerar na vida de terceiro, e ai ele pode fazer uma estipulação em favor (não em
prejuízo) de terceiro, alguém que não participa do contrato, esta é a ideia do
instituto.
3. Nomenclatura: estipulante,
proeminente e beneficiário
4. Co-legitimidade para postular o
adimplemento: Por exemplo,
vou fazer um contrato prestação de serviço de plano de saúde com o Bradesco Saúde
e vou colocar como beneficiários meu filho de 3 anos, meu filho de 3 meses e
meu cônjuge, um deles sofreu um acidente e está em coma no hospital, eu
celebrei o contrato de plano de saúde, se eu não pagar, meu nome vai para o
SPC, mas eu fiz o contrato para beneficiar a vida de terceiro. Então, qualquer
das pessoas, podem postular o adimplemento da prestação, tanto eu quanto os
beneficiários, isto é uma característica do contrato, como regra. Por exemplo,
acho muito legal o que a Aline faz em Caxias do Sul, ela trabalha quinta e
sexta numa creche e atende crianças carentes, quero doar para ela 200 mil
reais, mas destes 200 mil, quero que ela destine 30 mil para esta creche em
alimentos, fiz um contrato de doação com a Aline, quem vai se beneficiar vai
ser a creche que nem sabe que existe este contrato, é uma estipulação em favor
de terceiros, se a creche descobre a existência do contrato e que eu paguei os
200 mil para a Aline e ela não transferiu os 30 mil para a creche, tanto eu
quanto a creche podemos executar 30 mil da Aline, porque é um contrato feito em
proveito da Aline.
5. Quem pode ser terceiro? Em geral, para um negócio
jurídico, exijo pessoa capaz (maior de 18 anos). Há exceções a este princípio,
por exemplo, o pai diz que vai dar 500 mil reais se a filha casar, ele pode
fazer isso, porque estou tentando beneficiar o destinatário, mas ela pode
negar. Então muitas pessoas podem ser terceiros, porque o contrato é benéfico,
não se exige capacidade civil plena com 18 anos. O pai oferece para a filha que
se ela der um herdeiro para ele até o final do ano, ele vai entregar a empresa
da família para o casal, ele pode fazer isso, e isso se chama “doação em
beneficio de prole futura”, que é uma estipulação em favor de terceiro, mas não
é necessário o beneficiário aceitar. Terceiro pode ser nascituro, ou até alguém
que nem existe, por exemplo, se a mãe disser que se a filha tiver um filho, ele
vai receber toda a educação paga por ela, não é proibido, mas ninguém é
obrigado a aceitar! Tudo pode desde que o fim seja lícito, não posso, por
exemplo, dizer que quem for dentro do Beira Rio e jogar um sinalizador nos
jogadores do Inter ganha 100 mil reais, pois o fim é ilícito, mas se por
exemplo, eu disser que a cada gol que o Barcos fizer eu vou dar um carro para
ele, não é ilícito.
6. Substituição do beneficiário
(art. 438): Pode o
contratante estipular expressamente que ele se reserva o direito de trocar o
beneficiário, por exemplo, alguém que tem plano de previdência privada tem que
indicar um beneficiário caso ela venha a faltar, quando se faz um plano de
previdência privada, vai se recolher um valor mensal periódico para ter uma
receita na aposentadoria, e na data da aposentadoria ela vai poder escolher se
vai receber tudo que foi poupado (1 milhão) ou se prefere receber uma prestação
vitalícia (5 mil reais por mês), vai ser uma grande dúvida, pois o risco é que
com 60 anos ela pega 1 milhão, mas viveu até 120 anos, então o plano pagou 1
milhão e acabou a relação, e eu tenho que dar um jeito de fazer render este 1
milhão de reais até os 120 anos, e o outro risco é que eu aceite receber 5 mil
reais por mês, mas teve um assalto num bar que estava, levei uma facada e morri
1 mês depois, ganhei 5 mil e acabou o contrato, este é um contrato aleatório,
não se sabe quantos anos a pessoa vai viver. Tenho uma receita de 300 mil,
estou poupando para me aposentar com 60 anos, mas eu venho a falecer com 35
anos, estes 300 mil, ou o contratante já indicou alguém para o dinheiro ir caso
ele morra, ou se eu não disse nada no contrato, vai para o herdeiro legal dele,
como os filhos, ascendentes, netos, etc. A qualquer momento posso substituir o
beneficiário, porque tenho a autorização de substituir o beneficiário, por
exemplo, eu estava com 20 anos quando comecei a pagar a previdência privada e
coloquei minha mãe, fiz 25 e me casei, coloquei meu cônjuge, tive o 1º filho,
coloquei ele, tive o 2º filho, reparti entre os 2 filhos, a qualquer momento
posso substituir o beneficiário, enquanto não foi adimplido o contrato.
7. Comportamento do beneficiário
(aceitação, recusa e renúncia): Basicamente ou ele vai aceitar, ou recusar. Ex.¹: Vou fazer uma
reserva de 2 dias de hotel para o Vinicius em Salvador, e 2 dias de hotel para a
Laura em São Paulo, porque na última rodada do Brasileirão o Inter pega o Corinthians
e este jogo vai ser decisivo na luta do rebaixamento, já o Grêmio pega o
Vitória e provavelmente empatando já vai ser campeão, então são 2 diárias em
São Paulo para Laura e 2 diárias para o Vinicius torcer, mas eles tranquilamente
podem pensar que como o Grêmio foi campeão com 2 rodadas de antecedência e o Vinicius
está preferindo ir para o Rio de Janeiro para comemorar com os amigos, e não se
interessa, o Inter está rebaixado mesmo na metade do 2º turno, então não tem
sentido para a Laura sofrer tanto, então os 2 dizem que recusam a estipulação
em favor de terceiro, é direito do terceiro recusar.
8. Exemplos:
8.1. Seguro de Vida: Ex.: João estipula que caso ele
faleça, a seguradora vai pagar 1 milhão e 800 mil para a esposa dele. O marido dela
pode viver até os 140 anos e ela nunca receberá o dinheiro, mas pode ser que
ele morra no outro dia e ela vai receber o 1 milhão e 800 mil, é um contrato aleatório,
pode ser que haja esta contraprestação imediata, pode ser que ela ganhe ou não!
João paga e quem ganha é a esposa dele.
8.2. Doação com Encargo: Quando eu por livre e espontânea
vontade ofereço um bem para Paula desde que ela faça tal coisa, é uma doação
com encargo. Por exemplo, vou dar para a Valquíria 1 milhão de reais porque sei
que ela gosta de cachorros e preciso da tranquilidade que o Tobi (poodle branco)
vai passear todos os dias do Parcão, então ela vai receber 1 milhão de reais
desde que ela fique 2 anos passeando com o Tobi, será uma doação com encargo.
8.3. Plano de Saúde: Marcelo, que é servidor do MP,
celebra um contrato de Plano de Saúde com o Bradesco Saúde para oferecer a
prestação para a Juliana. Existe um contrato de plano de saúde para ter assistência
médica quando precisar.
8.4. DPVAT: Seguro obrigatório de veículos
automotores. Sempre que há um acidente de trânsito que gera danos pessoais,
pode-se procurar qualquer seguradora e postular uma indenização automática.
Quem paga o IPVA no final do ano tem que pagar 50 ou 100 reais para o DPVAT,
que serve para indenizar vítimas de acidentes de trânsito. O valor mais alto em
caso de morte é mais ou menos 13 mil e 500 reais. A ideia é que a morte de uma
pessoa no trânsito, que é comum, infelizmente, desestabiliza a vida dos familiares,
a ponto de os filhos não saberem nem como fazer o enterro, então tem despesas extraordinárias,
como funeral ou hospital se a pessoa não morreu, então o DPVAT “na hora”
entrega até 13 mil e 500 reais para a pessoa, na verdade em até 30 dias, mas
não é sempre bem assim! Muitas pessoa nem buscam o dinheiro que têm direito no
DPVAT, pois podem entrar com uma ação direta contra o motorista que causou o
acidente, ou a empresa de ônibus, conforme o caso, e o valor vai ser bem maior,
porque não é o Estado que paga!
9. Dica de Acórdão: REsp 257880/RJ: Estará no Moodle. Acórdão do
ministro Sálvio Teixeira recentemente falecido, era professor em MG.
II. Contratos com Eficácia Protetiva
para Terceiros: Contratos
com eficácia protetiva para terceiros e a estipulação em favor de terceiros são
institutos diferentes, mas parecidos. Contrato com eficácia protetiva para
terceiros é, por exemplo, Alan loca carro da Lokaliza para ir passar as férias
no Rio de Janeiro com amigos, na 1ª noite dorme em Santa Catarina, dia seguinte
seguem, depois dormem na Ilha do Mel, seguem, dormem no litoral de São Paulo, seguem
até o Rio de Janeiro e passam 1 mês lá, mas se envolvem num acidente, atropelam
um folião em Copacabana quando o motorista se distrai, a jurisprudência diz que
como esta atividade de andar de carro é muito arriscada, muita gente morre, tem
muitos juízes que condenam a Lokaliza junto com o motorista a indenizar a
vítima atropelada, pois como a empresa vive de atividade de locar veículos, ela
deveria responder pelos danos que a sociedade sofre em razão destes contratos,
não é que a vítima seja contratante ou beneficiária, não é que foi estipulado
algo em favor da vítima, o Alan quer o carro, a Lokaliza quer o dinheiro dele,
é um contrato entre eles, mas se há acidente, provavelmente o juiz vai dar
indenização para a vítima também sem nenhum contrato que gera uma proteção para
terceiros. Isso surgiu num precedente antigo da Alemanha quando a mãe estava
passeando com o filho no supermercado, a mãe que paga as compras no caixa, mas
se cai uma estante em cima dos dois, vai lesionar mãe e filho, então tem que
tratar o filho também como protegido por este contrato, ou se vou num
restaurante com a família, todos comemos, mas só um paga, todos foram para o
hospital com infecção estomacal, não tem sentido dizer que apenas quem pagou a conta
que está protegido, o restaurante tem que responder por todos que foram para o
hospital. Por exemplo, o carro é da mãe, o aluno deixou no estacionamento da
Puc e o carro foi roubado, quem fez o contrato de estacionamento foi o aluno e
a empresa de estacionamento, mas a mãe pode processar a empresa de
estacionamento, pois é um contrato que gera proteção para o proprietário do
carro.