Tentativa de Furto:
-
Dos crimes onde a
tentativa é mais interessante de ser abordada é o furto. Cabe tentativa, mas o
problema é em que momento que cabe tentativa. Há casos em que a diferenciação
entre atos executórios e preparatórios é de difícil diagnóstico no crime de
furto. Ex.: Casos em que a pessoa é flagrada pulando a janela de uma casa, ou
entala na grade, e a doutrina dá o exemplo de uma pessoa que é flagrada pulando
a janela de uma residência, e surge o problema se aquilo seria uma tentativa de
furto ou não. Caso do túnel que cavaram no Centro de Porto Alegre para chegar
no cofre do Banrisul e a polícia acabou prendendo todos quando faltavam 3 ou 4
metros para chegar no cofre, estes exemplo ilustram bem a dificuldade que é
identificada na incidência ou não de um ato executório no crime de furto. No
caso da janela sendo pulada temos a dificuldade exatamente porque a tentativa
de furto vai se verificar a partir do momento em que o agente dá início a
conduta de subtrair, ou seja, quando há início de subtração, o problema é a
pessoa que é que se flagrada pulando a janela de uma residência está dando
início a subtração ou não? Tem autores que dizem que tudo leva a crer que ele
vai praticar o furto, já poderia ser tratado como um ato executório, ou seja,
trabalham com o critério de que o ato é inequívoco, ou seja, como é inequívoco
que a pessoa vai furtar, já posso tratar como ato executório. Mas um ato ser
inequívoco não pode ser considerado executório, posso ser flagrado numa
interceptação telefônica mandando matar outra pessoa, é inequívoco, o
traficante dentro do presídio flagrado mandando matar alguém, isso já seria
tentativa de homicídio esta ligação? É inequívoco o que ele vai fazer, até mais
inequívoco do que pular a janela de uma casa, mas esta ligação seria uma
preparação. Então, o critério de ser equívoco ou inequívoco não é o melhor, e
ai que está o problema, quem é flagrado pulando a janela de uma residência está
executando uma violação de domicílio, uma conduta descrita no verbo nuclear de
outro tipo penal (art. 150 do CP), mas furtando ele ainda não está, ele está
furtando quando ele passa a ter o objeto com pelo menos um mínimo poder de
disposição, ou seja, o objeto tem que estar no colo dele. É uma diferença que
não é métrica, geográfica, não é uma régua que faz a diferença, mas é uma diferença
muitas vezes complicada. Quem fica entalado na janela é tentativa de furto ou
não? O professor acha que não, mas há muita doutrina dizendo que é! O mesmo
problema do túnel até o cofre do Banrisul, foi tratado como tentativa de furto,
mas ser flagrado 4 metros antes do cofre não parece ser tentativa, significa
uns 2 ou 3 dias de escavação. Eles teriam que estar pelo menos entrando no
cofre do banco para começar a falar em ato executório. Mesmo sendo evidente que
eles iam furtar o banco mesmo faltando 4 metros ainda, mas também era evidente
que eles iriam furtar 3 semanas antes quando eles começaram a cavar o túnel. Neste
caso do túnel até o cofre do Banrisul acabaram sendo condenados por tentativa
de furto, transitou em julgado, o TRF manteve a condenação.
“Coisa alheia móvel”
e Bens Corpóreos (de expressão econômica):
Bens
corpóreos podem ser furtados, mas não é qualquer bem corpóreo, é bem corpóreo de
expressão econômica. Um cachorro pode ser furtado, por mais que seja vira-lata,
por mais que tenhamos dificuldade em avaliar um cachorro, ele faz parte do patrimônio
de alguém, é um bicho. Um animal é um bem corpóreo e tem expressão econômica, e
isso significa que ele pode sim ser furtado, por mais que não tenha valor ou
seja difícil avaliar. Gado é fácil de avaliar, mas cachorro não é! Um cadáver pode
ser objeto de furto? Depende do cadáver, depende das circunstâncias da subtração,
se eu estou furtando um cadáver durante um culto religioso, uma cerimonio
religiosa de velório, por exemplo, eu não vou ter o crime de furto, porque eu
não estou ofendendo o patrimônio de alguém, mas um cadáver do necrotério da Puc
tem expressão econômica, o cérebro do Einstein está lá para todos os anos alguém
tirar um pedaço e estudar, se alguém levar ele, será furto, tem expressão econômica.
Então, tem que cuidar, por exemplo, a subtração de cadáveres pode caracterizar
crimes contra o sentimento religioso dos mortos, que é quando é durante um velório,
porque carregar o caixão de alguém não caracteriza uma ofensa patrimonial, mas
subtrair o cadáver de um necrotério, que é pesquisado por uma faculdade, aquilo
vai gerar um gasto da faculdade. Tem o crime de subtração de cadáver (art. 211
do CP) que é para os casos em que o patrimônio não é afetado, e sim o sentimento
religioso dos morto. E também tem os casos de subtração de cadáver que caracteriza-se
em furto. Órgãos humanos podem ser subtraídos? Até podem, e podem caracterizar
furto, mas tem que cuidar, pois há uma lei específica para isso, que é a Lei
9.434, que encontra-se os crimes relacionados a extração ilegal de órgãos humanos,
nos art. 14 e seguintes, isso pode ter expressão econômica, posso ter alguém
que subtrai o órgãos de uma pessoa viva
e vende, aqui contém uma lei especial, não vai ser furto, isso vai sofrer incidência
desta lei especial, então para o caso de órgãos e tecidos do corpo humano
deve-se cuidar com a incidência da Lei 9.434, mas também tem que ter cuidado,
pois podem ter casos que não se encaixam aqui, por exemplo, um hospital que tem
um banco de peles, se tecidos forem subtraídos deste banco de peles, não vou
ter incidência do art. 14 da lei 9.434, porque eu não estou removendo o tecido
de alguém, já foi removido regularmente, então neste caso incidiria o furto. O
art. 14 da Lei 9.434 vai se aplicar quando eu removo tecido, órgão ou parte do
corpo de uma pessoa ou de um cadáver em desacordo com as disposições da lei,
quando o órgão ainda está na pessoa viva ou morta, mas se o tecido, órgão ou
parte do corpo já foi removido de acordo com a lei e depois vem a ser subtraído,
posso ter um furto, que é o caso de no transporte de um coração para
transplante, por exemplo, ele pode ter sido subtraído, isso pode sim ser furto,
não se sabe quanto vale um coração, mas tem valoração patrimonial.
O conceito e coisa alheia móvel está
atrelado a ideia de bens corpóreos, mas surgiriam a possibilidade de bens incorpóreos
serem ou não enquadrados nesta elementar. Se tivéssemos apenas o art. 155,
caput a resposta seria negativa, bens incorpóreos não se enquadrariam, ou seja,
bens incorpóreos são aqueles que até podem ter expressão econômica, mas não têm
corpo, por exemplo, direitos autorais. A subtração de um direito autoral é um
furto de um bem incorpóreo, tem um tipo penal específico para isso que é o art.
184 do CP, crimes contra a propriedade intelectual são nada mais, nada menos do
que furto de propriedade intelectual, mas propriedade intelectual não são bens corpóreos.
Mas o art. 155 traz no §3º uma equiparação com coisa alheia móvel, está escrito
que “Equipara-se
à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”,
então, energia elétrica não é um bem corpóreo, se não existisse o §3º, o “gato”
de luz não seria furto, o legislador equiparou porque não é a mesma coisa, se
fosse a mesma coisa não precisava equiparar, com um “gato” não estou furtando
um fio de luz, e sim estou furtando energia elétrica, ou melhor, estou furtando
o que eu tenho que pagar pela energia elétrica. Daí vem a discussão sobre o que
se encaixa nisso. Surge um debate sobre a subtração de sinal da internet, sinal
telefônico. Na déc. de 90 era muito caro fazer uma ligação telefônica para o
exterior, e tinha um telefone no
Iguatemi que por algum problema permitia fazer ligações telefônicas para o
exterior sem pagar nada, e tinha fila na frente deste telefone público
específico, isso é furto. Eu poderia considerar que eu estar utilizando uma
linha telefônica sem pagar, quando eu deveria pagar, isso pode caracterizar furto?
E daí chegamos ao caso contemporâneo que é o caso da NET, está muito caro pagar
a NET, tem o ex-funcionário que foi demitido e passa na minha casa, cobra 100
reais para liberar todos os canais, ou para instalar a NET na minha casa e faz
o “gato” da NET, isso caracteriza furto ou não? Vai caracterizar a equiparação
do §3º ou não? Isso gerou muito debate e os tribunais, inclusive o STF chegou a
conclusão de que o sinal da NET não se enquadra no §3º, o sinal da NET não é
equiparado a energia elétrica para fins de incidência do §3º, e não sendo
equiparado, não é passível de furto, é atípico o fato, mas isso não significa
que a pessoa não possa se incomodar com isso, a operadora pode entrar com uma
ação cível contra a pessoa, mas o argumento de não incidir no §3º é de que “qualquer
outra” do §3º significa o que? Energia ou coisa? Parte da doutrina interpreta
que é qualquer outra energia elétrica, então como o sinal da NET não é energia,
estaria fora do §3º. Mas daí no caso de furtar água, só vai ser furto se eu
colocar uma hidrelétrica dentro de casa? Se a água não acender bico de luz não
é furto? Está longe de nós fazer um “gato” de luz, mas está bem perto de nós
fazer um “gato” de NET, esse entendimento jurisprudencial é a prova clara de
que quando o direito penal se aproxima de nós, sejamos quem somos, tendemos a
dizer que não é crime. Quando a pessoa faz um “gato” de luz, ela faz porque a
luz está cara, e acaba subtraindo o valor que ele teria que pagar por aquilo.
Se eu entender que NET não está no §3º, vou ser obrigado a entender que o
telefonema do Iguatemi é atípico da mesma forma, porque sinal telefônico não
acende bico de luz da mesma forma, não é energia elétrica. No §3º entra “gato”
de luz e só! Parece que se alguém tiver usando um sinal de internet que deveria
se pago e não está sendo pago, pratica furto sim, se tem alguém usando um sinal
e TV a cabo e teria que pagar e não está pagando também seria furto, a questão é
que tudo que eu teria que pagar, que tem valoração econômica e eu estou
deixando de pagar por causa de uma fraude dolosa minha, se equipara no §3º, ou
seja, coisa alheia móvel é bem corpóreo, mas o §3º diz que equipara-se a
energia elétrica ou qualquer outra coisa móvel que tenha valor econômico.
A despeito da redação do
§ 3°, o STF entendeu (HC 97.261/RS) que “O sinal de TV a cabo não é energia, e
assim, não pode ser objeto material do delito previsto no art. 155, § 3º, do
Código Penal. Não há distinção técnica entre o dano patrimonial causado por
aquele que faz um “gato” de energia elétrica, e aquele que faz um “gato” de TV
a cabo. Animais podem ser furtados, partes do corpo humano que não estiverem ao
alcance dos tipos penais previstos na Lei 9.434, e na condição de que tenham expressão
econômicas, podem ser furtados, por exemplo, o cadáver de uma faculdade de
medicina. Contudo, no caso de estar em jogo não o patrimônio, mas sim o
sentimento religioso dos mortos e de seus familiares, o crime está definido no
art. 211 do CP.
“Coisa alheia
móvel” e Bens Mobilizáveis:
O conceito de coisa alheia móvel para
fins penais não é o mesmo do direito civil, o direito civil considera bens
móveis e imóveis com um estatuto jurídico próprio, uma casa e bem imóvel para o
direito civil, uma árvore é um bem imóvel para o direito civil, para o direito
penal tudo que pode ser mobilizado é coisa alheia móvel, posso furtar uma casa,
se eu conseguir colocar ela em cima de um caminhão e levar embora é furto. Uma
árvore pode ser furtada, a despeito de o direito civil tratar uma árvore como
um bem imóvel. Um navio para o direito civil é tratado como bem imóvel, mas um
navio pode ser furtado. Então, o conceito de coisa alheia móvel para fins
penais não é mesmo do direito civil. Tudo que pode ser mobilizado e tem expressão
econômica é passível de furto. Bens de valor inestimável se inserem no art.
155, por exemplo, quadros de família. Tem que ter avaliação do bem subtraído,
daí às vezes alguém subtrai um rádio a pilha, ou o furto de 2 galinhas,
talheres, prato velho, o perito dá uma olhada e mensura, diz quanto vale, mesmo
que for 50 centavos. Então, tem que ter expressão econômica. Apesar de ser
difícil de valorar um quadro de família, alguma expressão econômica tem, de
graça não é, então estes bens de valor inestimável se inserem no art. 155.
“Coisa alheia móvel”
e Bens de Uso Comum:
Os casos em que o bem subtraído é
alheio, porém também esteja na propriedade do sujeito ativo, não se inserem no
art. 155, mas sim no art. 156 do CP. Por exemplo, é muito comum quando abrimos
uma sociedade (Ltda.), a empresa é minha, não quero um sócio, mas preciso de um
sócio no contrato social para ter uma Ltda., então coloco um parente ou um
amigo para colocar 1% das quotas, mas ele fica de fora, não tem administração,
entrou só com aquele percentual, mas 1% da empresa é dele, e o que pode
acontecer é que haja um estranhamento entre os 2 sócios, ainda que seja um só
pro forma (o que tem apenas 1% das quotas), e este que é pro forma acaba
causando um dano patrimonial, por exemplo, ele subtrai um carro da empresa,
está registrado no nome da empresa, isso não seria furto, pois não é coisa
alheia móvel, se eu tenho 1% do veículo, é meu também, e se também é meu, não é
alheio. Isso é válido para caso de sociedade, herança, por exemplo, morre uma
pessoa que deixa 3 imóveis, é instaurado um procedimento de inventario e enquanto
não houver a partilha definitiva, o juiz nomeia um inventariante, que é quem
vai administrar este patrimônio enquanto estiver tramitando o processo de
partilha, os alugueis tem que ser administrados, como os alugueis, tem que
fazer girar este patrimônio enquanto não há a partilha definitiva, e com muita frequência
o inventariante, que normalmente é um herdeiro (não necessariamente) coloca a
mão no patrimônio, ou seja, aquele aluguel que deveria ser depositado em juízo,
ou ele combina quem aluga que paga 500, mas fica declarado 300, então o
inventariante embolsa 200 que estão sendo pagos também, se o inventariante for
um herdeiro também, ele está subtraindo um dinheiro que também é dele, pois ele
também é herdeiro, e consequentemente não está no art. 155, por isso que há o
art. 156, que é o furto de coisa comum, que é o caso para herdeiros, sócios,
etc. E se o ladrão do Banco do Brasil é acionista do Banco do Brasil? Ações, é
uma sociedade que tem capital aberto ou fechado, quando tenho ações de uma
sociedade de capital aberto posso não ter direito a voto, mas tenho o
percentual equivalente às minhas ações, o patrimônio daquela sociedade me
pertence também, por mais que seja com ação.
“Coisa alheia
móvel” e Bens Abandonados (res derelicta):
Bens
abandonados, perdidos ou havido por erro de terceiro estão fora do âmbito de incidência
do art. 155. Por exemplo, a bicicleta jogada no terreno baldio, não tem mais
serventia, mas tem que ter o intuito de abandono, quem esquece a bicicleta na
frente do muro não está abandonando a bicicleta, a coisa abandonada pressupõe o
ânimo de abandono, não é só uma situação objetiva, se eu esqueci minha
bicicleta encostada no muro não estou abandonando a bicicleta, pois ainda quero
ela no meu patrimônio, mas se eu joguei a bicicleta no terreno baldio, é
diferente, estou abrindo mão do meu patrimônio. Então coisa abandonada não é
furtada! Quem acha objeto alheio não pratica furto, achado não é roubado, nem
furtado, mas é apropriado, então é crime, tem no tipo penal do art. 169, p.ú.,
II o crime previsto para aquele que encontra objeto alheio, a pessoa tem 15
dias para entregar para a autoridade policial, então se eu achar 100 reais na
rua, tenho 15 dias para entregar os 100 reais para uma autoridade policial,
para que ela pesquise quem é dono, se eu
não entregar, estarei praticando o art. 169, p.ú. II. Da mesma forma quem se
apropria de objeto por erro de terceiro é outro crime, é o art. 169, caput, por
exemplo, o carteiro foi entrega o Sedex na minha casa, vi que não era minha,
estava com o endereço errado, digo para deixar ali, o carteiro me entregou por
erro, não subtrai nada, o problema da tipicidade é que no momento em que vem
alguém e por erro coloca o objeto a minha disposição, não estou fazendo força,
não estou subtraindo nada, por isso que preciso de outro tipo penal, que é o
art. 169, caput, então objetos que tenham sido recebidos por erro de terceiro
não são furtados, mas são apropriados (art. 169, caput).
Furto de objeto
furtado é possível? Ladrão que rouba ladrão tem 100
anos de perdão? A maioria dos autores entende que não é novo furto, não
caracterizaria um novo furto, um objeto que é furtado não seria passível de um
novo furto. Então, a maioria da doutrina diz que não seria um novo furto, mas posso
usucapir um bem furtado? Tem usucapião de boa-fé e de má-fé, de bens moveis e de
bens imóveis, a pessoa que invade um terreno sabendo que não é dela, pode usucapir
aquele terreno, tem um prazo (10 anos), ou seja, a posse de má-fé pode gerar usucapião,
no momento que a pessoa entrou no meu terreno, tenho 10 anos para tirar ela de
lá, ou pelo menos para adotar uma providência para tentar tirar ele de lá, se
eu aquiescer, não fizer nada, ou não tomar conhecimento, azar, quem tem um
terreno e durante 10 anos não passa na frente dele, azar dela! Isso é muito
comum na praia, tem terrenos em que alguém faz um puxadinho e se instala em 10 metros
do terreno que tem 300m², o proprietário vê, mas não dá muita bola para não se
incomodar, passam 10 anos, e o cara usucapi e leva parte do terreno, isso é um usucapião
de posse de má-fé, é possível! Para bens moveis também há usucapião com posse
de má-fé, um carro furtado pode ser usucapido, se ele for utilizado de maneira
ostensiva, normalmente o ladrão do carro pode adquirir a propriedade do carro após
um período (mais ou menos 5 anos), se durante 5 anos ele usar ostensivamente, e
o dono não conseguir recuperar o veículo, ele vai adquiri a propriedade deste
carro. Quem invadiu meu terreno sabe que o terreno não é dele, no caso do carro
é a mesma coisa, a única diferença é que o terreno não levo embaixo do braço, e
o carro sim. Bens móveis com posse de má-fé podem ser usucapidos, tem alguns
pressupostos, só sou consumidor se exercito esta posse de maneira ostensiva, se
eu esconder este veículo durante 5 anos, isso não gera usucapião, mas se eu
utilizar o veículo normalmente durante 5 anos, eu tenho posse dele. Daí fica a pergunta:
Se o veículo furtado gera a posse, porque ele não pode ser novamente furtado? O
furto protege a posse e a propriedade, diz a doutrina, então um novo furto
seria um novo furto, ou seja, a vítima não seria o dono do carro, e sim seria o
ladrão que furta o carro. A maior parte da doutrina entende que não é possível um
novo furto de objeto furtado.
Art. 181 CP: Crimes
contra o patrimônio (estelionato, apropriação indébita) são isentos quando
entre cônjuges, então furto entre cônjuges está liberado, roubo não, não pode
haver violência ou grave ameaça. Isso também pode ocorrer em casos de união
estável, e inclusive em relações homoafetivas. Mesmo se os cônjuges se separam de
fato, mas não se divorciaram, pode incidir o art. 181 CP, mas até pode haver ação
cível no caso. Não é só para cônjuges, o art. 181 também fala em ascendentes e descendentes,
contra avôs e pais também não é furto, incide o art. 181 CP. Contudo, o art.
181 não se aplica caso o idoso tenha mais de 60 anos (isso veio com o Estatuto
do Idoso). E também não se aplica ao terceiro que se insira nas suas condições.
Ver art. 183.
Art. 181
- É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em
prejuízo:
I - do cônjuge, na constância da
sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja
o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
Tipicidade
Subjetiva:
“Para
si ou para outrem”: Se
eu subtrai o pertence de alguém e deixar num canto (local público) para outra pessoa
que eu nem sei quem é levar, é furto! Contudo, casos existem em que a subtração
de um bem pode não estar direcionada para si ou para outrem. Por exemplo, um
sujeito que morava num condomínio de apartamentos, tinha um vizinho que tinha
um cachorro que latia o dia e a noite inteira, ele já tinha esgotado tudo que
ele podia para o vizinho dar um jeito no cachorro, teve um dia que ele estava
na área comum do condomínio, o cachorro estava passeando por ali, longe do
dono, ele pegou o cachorro, colocou no carro e deixou ele numa estrada a 40 km
longe, a câmera do condomínio filmou colocando o cachorro dentro do carro e
isso foi parar numa Delegacia de Polícia, qual crime é esse? Cachorro é coisa
alheia móvel, tem valoração econômica, mas ele subtraiu para si ou para outrem?
Essa elementar subjetiva fica capenga, porque é diferente eu subtrair o objeto
e deixar no banco da praça para alguém levar, pois alguém vai levar, mas neste
caso do cachorrinho, ele largou o cachorro no meio do mato, a conduta não é praticada
com o pretexto de alguém levar o cachorro. O dolo dele não é que outrem pegue,
é diferente eu largar um objeto no banco da praça, onde o “para outrem” está
bem claro, ou seja, alguém vai levar, se ele tivesse o elemento subjetivo de
outrem ficar com o cachorro, ele não teria largado a 40 km, e sim teria largado
no pátio de uma casa, ou na rua da cidade, então esse caso gera dúvida, parece
demais enquadrar um furto, mas não se pode dizer que está errado dizer que é furto!
Dolo: Vontade e consciência de estar
subtraindo coisa alheia móvel. Dificilmente haverá furto em que o dolo seja questionável.
Excludentes da
Tipicidade:
Erro
de tipo incriminador: Quando
o agente subtrai bem alheio pensando ser próprio. Neste caso, como o furto não é
punível na forma culposa, o fato será atípico, ainda que o erro seja escusável.
Princípio da Insignificância:
Tem uma jurisprudência bem fragmentada sobre a insignificância. O Princípio da Insignificância
decorre de uma noção de tipicidade material para reconhecer que o tipo penal
não incide em todo e qualquer hipótese formalmente, eu preciso de uma ofensa
materialmente relevante para ter incidência. Por exemplo, se no intervalo da
faculdade um aluno pegar o clip de um colega que está no estojo dele, formalmente
este aluno está subtraindo coisa alheia móvel, mas para incidir o direito
penal, preciso de algo mais, de uma lesão considerável. Essa discussão que é suscitada
no princípio da insignificância, ou no crime bagatelar, na doutrina é muito tranquilo
que o princípio da insignificância exclui a tipicidade de alguns crimes, dentro
eles o furto. Se a lesão for de pequena monta, a ponto de não justificar o custo-benefício
da intervenção penal, pode-se reconhecer a exclusão da tipicidade material,
isso é nada mais, nada menos do que a aplicação do princípio da
proporcionalidade do direito penal, o direito tributário faz isso, o direito
administrativo faz isso, e o direito penal quando tenta fazer isso é um
problema, porque na doutrina é meio tranquilo que dá para aplicar a insignificância
no crime de furto (como em outros crimes também), na jurisprudência não é tão
tranquilo, há uma fragmentação, de os tribunais de apelação não admitirem consensualmente,
e o STJ e o STF têm admitido, pois eles trabalham com um volume muito grande de
casos, já fazem filtro de proporcionalidade para tudo, para recurso subir, e
quando eles se deparam com uma tentativa de furto de 2 galinhas, por exemplo, eles
aplicam atipicidade, vão aplicar o princípio da insignificância. A jurisprudência
do nosso TJ, ela é bem vacilante, há vários acórdãos dizendo que furto não
interessa o valor, é furto, tem que reprimir, daí sobe para o STJ a melancia
furtada, laranja, alinha, shampoo pela metade, sabonete usado, etc, é
impressionante o que vai parar no STJ e no STF.
-> Os
argumentos para não aceitar a insignificância no crime de furto: Muitos acordão
se baseiam no §2º do art. 155 que diz que “Se o
criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços,
ou aplicar somente a pena de multa”. O que vem se entendendo como “pequeno valor da coisa furtada” é
inferior a 1 salário mínimo (aproximadamente 600 reais), então alguns acórdãos
vem entendendo que como o legislador trouxe a solução legal para a insignificância,
ele disse que não posso absolver, tenho que condenar, até posso substituir a
pena de reclusão por detenção, diminuir de um a dois terços, ou aplicar somente
a pena de multa, mas para tudo isso tem que condenar, então não seria aplicável
o princípio da insignificância porque o §2º traria uma solução diferenciada
para furtos de pequeno valor. Ademais, dizem estes acordos que hoje o JEC foi
criado exatamente para tutelar estes casos de pequena monta.
O argumento muito útil é que há o ...
-> Os
argumentos para aceitar a insignificância no crime de furto: Dizem que “pequeno
valor” é abaixo de um salário mínimo, então uma bicicleta usada tranquilamente
vai ficar aqui, mas não necessariamente vai ser um furto insignificante, ou
seja, pequeno valor pode atrair o §2º, mas uma coisa é um bem avaliado em 500
reais, outra coisa é um shampoo pela metade no valor de 2 reais. O §2º se aplica
ao furto que não é insignificante, porém o valor da coisa furtada é inferior a
um salário mínimo, porque não há um parâmetro objetivo sobre o que é algo
insignificante, eles avaliam no caso concreto.
Então,
tem jurisprudência entendendo que o §2º não obsta a incidência da insignificância,
e da mesma forma afirmam que tudo bem, criaram o JEC, mas não é por isso que
tenho que dizer que o furto de um clips em sala de aula vai ter que parar num
processo judicial, numa ação penal. Então, tem argumentos para os dois lados!
Não
há o argumento que para a vítima pobre pode ter relevância, como uma Havaiana
para alguém com dinheiro não é muito cara, então não vai ser furto, mas para um
pobre que só tem aquela Havaiana tem relevância, será furto, porque se
trabalhar com este argumento, pode chegar a conclusão de que, por exemplo, o
furto do carro de um milionário é atípico, porque para ele não vai fazer
diferença um carro a mais ou um carro a menos, e não se pode admitir isso! A significância
é avaliada objetivamente, não de acordo com disponibilidade financeira maior ou
menor da vítima. Não se pode entrar no sentimentalismo para avaliar se se o bem
é significante ou insignificante, uma Havaiana é uma Havaiana, a análise da significância
ou não da ofensa é feita objetivamente. Se for olhar para a vítima, chegarei a
conclusão que furtos de valores consideráveis em detrimentos de empresas multinacionais
em que o patrimônio é absurdo, não teria relevância penal, mas isso não dá! É
objetivamente que se avalia o valor de um bem! Se quiser puxar o §2º até dá
para discutir, mas Havaiana para a vítima pobre pode ter relevância, não dá! O
interesse da vítima importa no direito civil, no direito penal não!
Furto e Ilicitude:
Furto
famélico: É o nome
técnico designado para o furto praticado em estado de necessidade (art. 24 do
CP), é o furto praticado para saciar necessidades vitais, por exemplo, roubar
pão para dar para os sobrinhos comerem. Exigem todas as condicionantes do art.
24 para a exclusão da ilicitude, ou seja, situação de risco atual capaz de
autorizar uma lesão inevitável e proporcional a bem alheio. Necessidades
vitais, isso vale para comida, remédios, quem furta um cobertor numa madrugada
fira de inverno pode discutir furto famélico também. Famélico não vem de fome, vem
de falência. Ex.: Sujeito tinha filho que estava doente e exigia medicamentos
de uso regular bem caros, ele não estava conseguindo o medicamento em meio
público gratuitamente, então ele acabou vendendo a arma da corporação, foi
processado criminalmente e alegou que vendeu a arma da corporação para
conseguir dinheiro par comprar remédio, naquela semana o remédio do filho tinha
acabado, não tinha na rede pública e ele precisava comprar o remédio, mas
trancou a alegação dele no curso do processo porque conseguiram um extrato da
conta corrente dele naquela semana e ele não tinha dinheiro, mas o cheque
especial dele cobria 2 meses do medicamento, então acabaram alegando que como
ele tinha uma maneira muito mais fácil e rápida de conseguir acesso a algum dinheiro
para conseguir comprar o medicamento antes de vender a arma, esta tese acabou
sendo obstada. Outro exemplo é um sujeito que estava cumprindo pena por
diversos outros crimes, mas um deles chamou a atenção, pois ele era um papeleiro
que morava na Biboca da Castelo (embaixo da Ponte do Guaíba), ele estava
andando pela Farrapos em direção a casa dele e ele passa por um sobrado com a
porta entreaberta que dava para a cozinha, ele entra na casa, abre a geladeira,
pega uma caixa de suco longa vida pela metade, um tubo de mostarda e um pacote
e pão que também estava pela metade, na hora que ele estava saindo da cozinha
furtando esbarrou numa panela e o dono da casa veio e pegou ele no flagra
saindo com os alimentos embaixo do braço, e daí foi preso em flagrante, pois
estava no semiaberto por outros fatos, e acabou sendo processado criminalmente
por este fato por tentativa de furto, o que chamou a atenção na sentença foi o
argumento utilizado, a defensoria pública na ocasião alegou primeiro princípio
da insignificância, e em segundo furto famélico para ele, o juiz não acolheu a insignificância
e quanto ao argumento do furto famélico o juiz alegou primeiro que não havia
prova concreta de que ele estava passando fome naquele momento, e o segundo
argumento foi que ele não era nem tão pobre, porque na casa dele tinha até uma
televisão, e o juiz também disse que ele tinha outras formas de conseguir dinheiro
para comprar comida, pois hoje quem fica numa sinaleira o dia inteiro pedindo
dinheiro já consegue dinheiro para comer, seria melhor que ele tivesse dito que
não aceita furto famélico.
Furto no Repouso Noturno
(§1º) – Majorante:
Só se aplica ao furto simples, não ao
furto qualificado (§4º), não porque vem antes do §4º, e sim porque numa escala
hierárquica a maior censura vem com as qualificadoras, a censura intermediaria
vem com a majorante. Se o legislador entendesse que o repouso noturno deveria
incidir no furto qualificado, ele teria colocado o inciso V como qualificadora
se o furto for em repouso noturno, o fato de ele ter tratado isso como
majorante indica que a pretensão não era incidir em qualificadoras, e sim
apenas no furto simples.
O fundamento do aumento da pena é a
vulnerabilidade da vítima ou a maior dificuldade de evitar o crime de parte do
Estado. Tem que escolher o fundamento. Se entender que é uma maior
vulnerabilidade da vítima, em casa desabitada e em estabelecimento comercial não
incidiria. Mas se entender que é por uma maior dificuldade de o Estado evitar o
crime, em casas desabitadas e em estabelecimentos comerciais incidiria. O
problema é esse, o furto praticado na casa da praia, isso vai sofrer a incidência
da majorante se não tiver ninguém morando lá no momento? Se entender que o
fundamento é a dificuldade do Estado em reprimir o fato, a resposta é sim. Para
o professor incide sim, pois é mais difícil reprimir o crime mesmo, mas há acórdãos
discutindo se incide em caso de casa desabitada e estabelecimento comercial.
Para ser um furto majorado teria que
pensar na casa de praia desabitada em que alguém esqueceu a porta aberta, e eu
sozinho entrando durante a madrugada, porque se eu tiver acompanhado de alguém,
o furto já é qualificado pelo concurso de pessoas, se eu arrombar a porta, o
furto já é qualificado por arrombamento. Pulei um muro de 1 metro sozinho para
levar a bicicleta durante a noite, será um furto durante repouso noturno. Se o
muro tiver 2 metros já tenho a qualificadora da destruição, rompimento de obstáculo
para a subtração da coisa (§4º, II, mediante escalada). E se incidir uma
qualificadora, o §1º já estará descartado.
A questão do horário a jurisprudência diz
que é um conceito regional, ou seja, varia de região para região, repouso
noturno em Porto Alegre é uma coisa, no meio rural é outra. No meio rural, por
exemplo, às 10h da noite já estão dormindo há muito tempo, e às 5h da manhã já
estão acordados. O que vem sendo interpretado é que no meio urbano o repouso
noturno é da meia noite às 6h da manhã, no meio rural eles antecipam um pouco,
10h da noite eles já passam a considerar repouso noturno. O que todos falam é
que depende do lugar, não pode dizer que é da meia noite ás 6h da manhã em todo
lugar, pois se for no meio rural isso pode mudar!
Tudo depende da correta compreensão do
fundamento do §1º, ou seja, se é a maior vulnerabilidade da vítima, ou se é a
maior dificuldade de repressão do Estado, se olho para a vítima, se ela não
está em casa, não incide, como uma casa da praia em que as pessoas não estão,
em estabelecimento comercial ninguém mora, então não se aplicaria também, mas se
olhar para a maior dificuldade de repressão do Estado, incidiria no caso de
casa desabitada e estabelecimentos comerciais.
Aplica-se a coautores e partícipes?
Não, porque se houver coautoria e participação seria furto qualificado.
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