quarta-feira, 21 de março de 2012

Direito Administrativo II (20/03/2012)

Processo Administrativo

- Quando se fala em processo lembramos sempre do processo judicial, juiz, conflito autor e réu, esse processo judicial que conhecemos é importante, mas não é o único que encontramos no âmbito de Estado. Vamos encontrar processo também no âmbito do poder legislativo, ou no exercício da função legislativa e administrativa. O processo legislativo é a ideia de que existe um processo para elaboração de lei. Então a ideia de processo ultrapassa aquele processo judicial.
- O processo judicial, diferente dos demais, tem a característica de não poder mais ser discutido uma vez transitada em julgado a decisão, percebemos a formação da coisa julgada, a matéria uma vez discutida no âmbito judiciário, se passaram todos os prazos para recurso, já foram tomadas todas as medidas cabíveis, não tem mais prazo nenhum, ela não vai poder ser rediscutida. Ex.: propus uma ação discutindo um acidente de trânsito, perdi, o juiz entendeu que a culpa era minha, recorri e continuei perdendo, terminou o processo, a parte está me executando, eu estou pagando e digo que quero discutir de novo, não estou satisfeito, mas não tenho como rediscutir isso depois de encerrada a coisa julgada. Mas no processo administrativo e nos demais processos que eventualmente encontramos sempre é possível levar essa discussão ao poder judiciário, então pode ocorrer um processo administrativo que tenha curso na administração por vários anos, a administração toma uma medida, a parte se sente prejudicada, não concordando com isso ajuíza uma ação e rediscute toda matéria de novo no poder judiciário, ninguém será privado de levar ao judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão ao direito. A questão da multa de trânsito, quem não concorda recorre. Não acontece a formação da coisa julgada aqui no processo administrativo. Processo é um termo que se aplica a diferentes esferas do poder.
- Processualidade Ampla (Odete Medauar): defende que os atos administrativos, ou atos do sado (de uma maneira geral) são atos praticados a partir de um processo, não o processo contencioso (que estamos acostumados) que tem autor e réu, mas o processo como sendo um conjunto encadeado de atos orientados para uma determinada finalidade, por exemplo, a administração vai conceder uma licença pré-requisitada para administração, como uma autorização de uso, esse pedido chega a administração, tem uma sucessão de atos que são praticados, eventualmente manifestação do órgão jurídico, até que no final se chega a uma decisão, concede ou não a autorização, isso tudo seria processo.

·        Processo e Procedimento:
- Seria essa série de atos voltados o alcance de determinado fim. Não são atos isolados, e são voltados para a realização de determinado fim. Esse fim vai ser o mais variável, pode ser uma contratação de uma empresa num processo licitatório, pode ser a contratação de um servidor num processo seletivo (concurso público), pode ser a aplicação de uma sanção num processo punitivo, pode ser uma sanção disciplinar num processo administrativo disciplinar. O fato é que para se chegar a uma decisão se utiliza a administração nessa sucessão de atos encadeados, eles têm uma ordem, vão sendo distribuídos até que se chega a uma determinada decisão.
- Legitimação pelo Procedimento: é a ideia de que a administração vai obedecer a um determinado rito, e esse rito será o que vai justificar/motivar a decisão administrativa. O administrador chega e diz que seguiu o rito previsto na lei e justifica sua decisão por obediência a esse rito.
- O problema é que há uma polêmica doutrinária a respeito desses termos processo e procedimento, usaremos a concepção que é majoritária (mas há outras). A 1ª preocupação que se tinha em separar processo e procedimento era que o processo seria exclusivamente o processo judicial, e todo resto seria tudo procedimento, mas essa tese caiu porque a própria constituição adota a expressão processo administrativo, processo legislativo, e se a nossa lei maior, aquela que dá os contornos de toda organização jurídica brasileira adota essa terminologia não tem porque ficar debatendo isso. Independentemente de o processo ser legislativo, administrativo ou judiciário chamamos de processo.
- Processo é o conjunto de atos encadeados para o alcance de determinada finalidade, de determinado fim. O processo tem a natureza teleológica, de buscar uma determinada finalidade, que pode ser das mais variadas. Se existe processo tanto na administração, quanto no poder judiciário, quanto no legislativo, o que seria então o procedimento?
- Procedimento é o rito, a forma, a mecânica do processo, o procedimento é a forma que esse processo vai se desenvolver.
- Processo e procedimento estão muito próximos, há quem ainda tenha uma segunda tese separando-os, e diz que processo, mesmo na administração pública, seria reservado só para aqueles casos que houvesse conflito de interesses (um processo contencioso), todos os demais, que não tivessem essa natureza contenciosa, seriam considerados procedimento. Ex.: um processo que envolve uma multa de trânsito, é um processo administrativo, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre instaura um processo para apurar uma falta, um ilícito relacionado com o trânsito, existe um conflito de interesses, a prefeitura diz que eu dirigi falando ao celular, e eu digo que não fiz isso, a ideia própria é do conflito, isso seria processo administrativo, mas no certame de um concurso, ou de uma licitação seria procedimento, porque não existe conflito, até pode gerar eventuais desdobramentos com a licitação, mas na verdade não existe um conflito de interesses ai, é simplesmente um rito estabelecido pela lei, um procedimento que deve ser seguido, e uma vez seguido vai levar a contratação de A ou B. Essa tese também vem sendo superada, o que a maioria da doutrina entende hoje é referir o processo como sendo esse conjunto de atos para determinada finalidade e o procedimento é o rito, diz como o processo se desenvolve. Já dá para ver que eles estão juntos, mas posso ter processo administrativo com ritos diferentes. Ex.: tenho um processo administrativo que segue um rito próprio (processo administrativo tributário), tenho um processo administrativo sancionatório no âmbito federal que segue um outro rito que é o da Lei 9.784, então ambos são processos administrativos, mas têm ritos/procedimentos diferentes. Processo e procedimento são coisas diferentes para a maioria da doutrina, mas eventualmente encontraremos um ou outro autor negando essa distinção (os autores mais antigos). Podemos subdividir o processo em dois grandes grupos, os processos administrativos contenciosos e ou não contenciosos. A lei estabelece o comportamento que o administrador deve ter em cada caso.
Processo administrativo pode ser dividido em 2: (mas será usado no sentido amplo, englobando os contenciosos e não contenciosos)
   * Processos Contenciosos: Processo Administrativo Disciplinar (PAD). É um processo que visa apurar uma falta funcional, visa verificar se um determinado servidor praticou ou não uma irregularidade, e uma vez comprovada essa irregularidade vem a consequência, a sanção, que pode ser uma advertência, uma suspensão ou até mesmo a perda do cargo da função através da demissão. Temos um problema do ponto de vista prático, porque enquanto no judiciário temos um terceiro imparcial que vai decidir (o juiz), aqui a administração é ao mesmo tempo parte e juiz, ela deve atuar com imparcialidade, ela não pode usar o processo administrativo como instrumento de punição, de sanção, para mera vingança pessoal.
   * Processos Não Contenciosos: chama-se a licitação de processo licitatório, não existe um conflito aqui, porque a administração só quer contratar. Um processo para conceder uma autorização, uma concessão ou uma permissão também é um processo não contencioso, mas é processo no sentido de que tem essa cadeia organizada/ordenada de atos orientados para uma finalidade (conceder ou não a autorização, a concessão ou a permissão), todas as áreas envolvidas/necessárias vão ser ouvidas/provocadas.

Lei n° 9.784/1999 - Lei do Processo Administrativo Federal: se aplica só no âmbito federal, não se aplica a Estados e municípios. Os Estados podem emitir uma lei própria, como São Paulo fez. Essa lei foi feito por doutrinadores e professores. Acabou sendo uma lei utilizada como referência. Ela não tem aplicação subsidiária, mas como foi construída com extrema didática, ela acaba sendo utilizada como referência, para aqueles Estados que fizeram suas leis próprias. E ela será referência para nosso estudo também, mesmo sendo uma lei federal. Essa lei trouxe, para tentar embasar esse processo, a forma de agir da administração, elencou no seu art. 2º uma série de princípios, alguns já são conhecidos, outros são novidades, próprios do processo administrativo, que veremos agora. Esses princípios podem ser adequados ao texto da lei, sem que se precise mudar a legislação.

Princípios do Processo Administrativo: Ao mesmo tempo que a lei elencou os princípios também deu algum sentido a eles. Os critérios que ela dá tentam explicar um pouco melhor o que são cada um dos princípios.
* Legalidade: o princípio da legalidade genérico é aquele que se aplica aos particulares, art. 5º, II da CF diz que tudo que não for proibido será permitido ao particular, se a lei não proíbe pode ser feito, mas em se tratando de administrador público isso muda completamente, o caput do art. 37 da CF que fala da legalidade, e diz que aplicado para o administrador público seria exatamente ao contrário, ou seja, ele só pode fazer aquilo que a lei autoriza, de acordo com a legalidade administrativa ele precisa de uma autorização para agir. No processo administrativo a atuação do administrador só pode se operar de acordo com a lei, e para não deixar dúvidas, os critérios previstos no parágrafo único, diz o inciso 1º que a atuação deve ser conforme a lei e o direito. O processo aqui diz que a atuação do administrador deve ser de acordo com a lei e com o direito. A atuação administrativa não está restrita a concepção literal da lei, o princípio da legalidade não é só cumprir a lei, exige-se também uma vinculação ao direito, a ideia de cumprimento de princípios que não estão necessariamente positivados numa lei/numa norma reforça uma noção de que a atuação administrativa fica condicionada a princípios, regras, buracos administrativos infra legais, a lei deve ter um substrato que seja justificado/motivado pelo direito. A legalidade agora tem esse desdobramento dentro do processo administrativo.
* Finalidade (Impessoalidade): a atuação administrativa não deve ser orientada por interesses privados do administrador ou mesmo do interessado, a administração não pode atuar nem para beneficiar nem para prejudicar alguém. O processo administrativo pode ser utilizado tanto para o bem quanto para o mal (se for mal conduzido). Se utilizado um processo desses para punir um servidor que não é faltoso, mas ele é meu inimigo, ou utilizar o processo licitatório para beneficiar uma determinada empresa, ou processo de desapropriação para prejudicar uma determinada pessoa. Então a atuação administrativa deve ser pautada de acordo com o interesse público, o processo administrativo deve ser pautado pelo princípio da impessoalidade. O administrador não pode simplesmente abrir mão do interesse público. Deve haver objetividade na atuação, não se valer desse procedimento para beneficiar alguém, isso está nos incisos II e III do parágrafo único, que reforça a ideia de finalidade/impessoalidade.
* Motivação: é um princípio que tem um desdobramento muito particular em se tratando de processo administrativo, a ideia é que a administração indique o porquê da sua maneira de agir, se eu vou aplicar uma sanção, se vou tomar alguma medida tenho que justificar/motivar minha razão de fazer tal coisa, se imponho uma multa, tenho que dizer o porquê estou impondo essa sanção, está no artigo tal, porque ele descumpriu uma determinação, porque ele não tomou tal medida, então nesses casos tenho tornar público o porquê da aplicação daquela multa, o porquê da aplicação daquela sanção, e mesmo se não for sanção, vou ter que justificar no processo licitatório porque que a empresa A está sendo contratada e não a B, porque a proposta da A foi melhor, porque meus objetivos são esses, etc. Esse princípio da motivação está previsto também no parágrafo único (inciso 7), questões fáticas, analise dos fatos e também o fundamento jurídico/legal. Essa lei abriu um capítulo (12) exclusivamente para tratar da questão relativa à motivação (art. 50), que estabelece quais são os casos que a motivação é obrigatória. Cada vez menos o ato discricionário não precisa de motivação, por exemplo, um ato discricionário que envolva a aplicação de uma multa, a lei fala que a multa pode variar de 10 a 100, o administrador optou pela multa de 100, ele tem que justificar/motivar porque ele está aplicando essa multa. No processo administrativo a regra é a motivação, excepcionalmente não vai precisar de motivação, naqueles atos de mero expediente, por exemplo, encaminhar para determinada área, pedir alguma coisa, etc, ai não precisa ficar motivando toda hora, mas em geral os atos decisórios devem ser motivados.
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.
* Razoabilidade e Proporcionalidade: lidamos muito em conjunto com esses dois princípios, é difícil estabelecer uma distinção entre eles. É na prática que verificamos a aplicação desses dois princípios, mas muitas vezes se tem dificuldade em separá-los. No parágrafo único, inciso 6º há tanto a razoabilidade quanto a proporcionalidade. Razoabilidade seria a adequação entre meios e fins, ou seja, o administrador/gestor (quem está conduzindo o processo) quando vai tomar uma decisão vai ter que analisar se a medida que ele está usando é adequada ao fim que está querendo, se for adequada será razoável, se não for adequada não será razoável, tem que ver se dentre as medidas possíveis aquela que ele escolheu é necessária, se ele precisa mesmo aplicar uma sanção naquele caso, se preciso tenho que ver se ela vai produzir o efeito adequado, se vai evitar ou não que outros ilícitos parecidos voltem a ocorrer. Há casos que a pena extrapola a razoabilidade, porque o meio não é adequado ao fim, se tomo uma medida que não vai resolver o problema, não vai solucionar o processo, como alguém ter um processo administrativo (envolvendo o trânsito, uma multa), ai a administração resolve exigir que o interessado junte um atestado de residência comprovando a sua situação nos últimos 15 anos, mas os meios e os fins não tem nenhuma conexão, algumas medidas até atrapalham mais do que qualquer outra coisa, é uma medida que extrapola o lógico. A proporcionalidade está mais ligada à questão do quantum, da dosagem da medida adotada. As medidas adotadas devem ser adequadas, e dentro dessas medidas a proporcionalidade tem a ver com a quantidade da medida, por exemplo, uma multa que é excessiva é desproporcional, ou quando algum estabelecimento atrasa 1 dia na entrega de algum documento e a administração fecha o estabelecimento, é uma medida desproporcional, ou uma empresa fez uma determinada operação errada e aplicam a multa no patamar máximo, não há uma proporcionalidade. Pode haver proporcionalidade para baixo também, por exemplo, um banco grande ser punido em 5 mil reais é pouco demais, porque seria mais barato pagar a multa cada vez que o Banco Central me mandar do que que manter um corpo de empregados para evitar que esse erro aconteça, é uma medida desproporcional, não se presta para a finalidade que se espera, que é evitar o ilícito, porque ficar mais fácil fazer o ilícito e pagar a multa depois. Mas não se pode colocar uma pena maior que a pena máxima também (princípio da legalidade).
* Moralidade: é a ideia de moralidade administrativa. Um dos princípios mais difíceis de conceituar, de estabelecer o que é moral e o que não é. O importante é saber que existe uma moralidade administrativa que deve ser observada, que a moral administrativa não se confunde com a moral privada do administrador, não interessa o que o administrador/gestor pensa sobre aquela situação, interessa o que objetivamente se busca alcançar através do direito. Por exemplo, não interessa que o administrador ache que é moral ele dar emprego para o filho, mas vem o STF e diz que nepotismo viola o princípio da moralidade administrativa, e não interessa o que o sujeito acha (mesmo se ele realmente acha que o que ele está fazendo é moral). A lei procurou, dentro de suas limitações, explicar um pouco isso, diz que entre outros critérios a administração deve seguir entre outros critérios de atuação segundo padrões éticos, de probidade, decoro e boa fé. É difícil de definir o que são esses padrões éticos, o que é a boa fé e tal, mas de novo retoma-se a discussão de que no caso concreto a gente vai aferir. Alguns órgãos federais têm seguido uma linha de editar normas procurando estabelecer comportamentos que devem ser seguidos, tem códigos de ética, códigos de conduta da alta administração, que explica até questões relacionadas com o presente que um sujeito recebe de uma empresa, diz acima de qual valor ele não pode receber. Tem questões que se tentam objetivar, mas nem sempre isso é possível. A ideia de moralidade administrativa envolve um comportamento adequado, ético.
* Ampla Defesa
* Contraditório
* Segurança Jurídica
* Interesse Público
* Eficiência

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