segunda-feira, 22 de abril de 2013

Direito Civil IV (22/04/2013)



Interpretação dos Contratos

-> 3 obras complementares: 1ª O Caso dos Exploradores de Caverna – Lon Fuller (como julgar pessoas que ficaram presas dentro de uma caverna, tem que julgar os atos deles ali dentro); 2ª Metodologia da Ciência do Direito - Karl Larenz (estudo da história do direito, e como cada período histórico interpretou o direito); 3ª Império do Direito – Ronald Dworkin (estilo norte americano, começa capítulos com casos importantes da Common Law, ele não é duro como o Larenz).

I. Introdução: Se chama atenção de que quando se fala em interpretação dos contratos, há regras diferentes.
   1) Regra Geral (arts. 110 a 114, CCB): Há 5 artigos que falam de interpretação na parte geral do CC aplicáveis aos negócios jurídicos. Contrato é o principal negócio jurídico. O que caracteriza o negócio jurídico e o diferencia em relação ao fato jurídico stricto sensu é que no negócio jurídico o elemento decisivo é a vontade, se, por exemplo, alguém quer vender o carro por 70 mil e eu não quiser pagar, não haverá negócio, porque nossas vontades não se encontram.
   2) Interpretação Subjetiva (Princípio da Investigação da Vontade Real): Art. 112 do CC – Nas diz que declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. 1ª Regra: Nas declarações de vontade, a gente se atem mais a intenção das partes do que ao texto, por exemplo, expressões: 1. Ir ao encontro e ir de encontro (grêmio está indo ao encontro da libertadores, estamos indo ao encontro dela), ir ao encontro é na direção correta, de encontro é ao contrário. Se juiz localiza num contrato a frase “As partes acertam que ambas devem ir de encontro a concessionária e ao Detran para viabilizar a transferência do financiamento e do certificado de propriedade”, o juiz se dar conta que se enganaram na expressão, ele não vai proibir as partes de irem na concessionaria e no Detran, desde que ele esteja convicto que o que as partes realmente queriam era ir ao Detran, porque o que vale é a intenção das partes, não o que está escrito! 2. Defeso (é defeso fumar = não posso fumar). Se o juiz encontrar uma cláusula assim no contrato: “As partes acertam que até a regulação da guarda é defeso ao cônjuge visitar livremente as crianças”, provavelmente as partes queriam dizer é que até que eles se acertem com a guarda, a visitação é livre, então o juiz vai dizer que não vai aplicar tal letra e aplica a vontade, mas às vezes as partes não estão de acordo, ai tem problema, se não há acordo de intenção, ele recorre a interpretação objetiva.
   3) Interpretação Objetiva: Emílio Betti, que dava o seguinte exemplo: Remate da Cabanha, vamos para lá, todos sentados no meio do remate e o leiloeiro diz que vão leiloar um touro que parte de 20 mil reais, começam a dar lances, daí entra uma pessoa atrasada no meio do leilão, uma amiga dela levanta a mão para dizer que tem lugar ao lado dela, bem no momento que o leiloeiro pergunta quem dá 7 mil, então ele fecha o leilão e passa para outro animal, chega no final do leilão, o organizador do leilão chega para a menina que levantou a mão e pede para ela dar 10 mil pelo touro, ela diz que não ofereceu nada, mas ele diz que está filmado que ela levantou a mão, ela disse que ela ter levantado a mão não era pelo lance, Betti diria que ela deveria pagar os 10 mil, temos que parar de analisar a vontade das partes e analisar mais os atos exteriores, porque quem está dentro de uma sala de remate e faz isso, significa que ela dá o lance, a responsabilidade deve ser assumida pela pessoa que praticou o gesto típico naquele ambiente, pois o dono do touro ficou cuidando do touro e teria que ficar mais um ano cuidando dele para tentar vender no leilão seguinte, com o risco de o touro perecer, o Betti diz que devemos analisar casos objetivos, nenhum cobrador vai perguntar se a pessoa que ser transportada para a Puc naquele ônibus naquele dia, o que o cobrador tem que fazer é receber o dinheiro (símbolo de que ela quer ser transportada) e o ônibus tem que parar na parada (símbolo de que quer transportar). Casamento: o padre pergunta se a senhora aceita tal pessoa como legítimo marido, o padre não pergunta porque, depende da pessoa, isso é intenção objetiva, o importante é que digam sim na frente do juiz, se não queriam, importa apenas o que eles disseram! Os 3 princípios mais objetivos:
        3.1) Princípio da Boa Fé (art. 157, BGB; art. 236, Portugal): Art. 113 do CC – Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Por exemplo, uma ação que se encontra muito no judiciário: recebi email da corretora dizendo que o seguro estava vencendo, com a proposta, respondo que queria com 100 mil reais a mais de cobertura, no final do dia ela manda com o doc junto, imprimo, pago no banco e quando saio do banco roubam meu carro, ocorre ilícito entre o pagamento e a elaboração da apólice, pelo Princípio da Boa-Fé o Tribunal diz que eles devem indenizar pelo roubo, pois ele pagou, então ele estava com a intenção de contratar. Aos 29 anos alguém tem a informação que meu pai não é meu pai biológico, então o juiz iria valorizar como foi tratado o filho nos últimos 29 anos, então se o pai tratou como filho e o filho tratou como pai, não há discussão, não interessa se tem ou não vínculo biológico.
        3.2) Princípio da Conservação do Contrato: “Segundo o princípio da conservação do contrato, quando uma cláusula contratual admite dois sentidos deve ser entendida, conforme já ensinara Pothier, naquele com o qual possa produzir qualquer efeito. Enuncia-se hoje como princípio que inspira a interpretação integrativa, não se restringindo à dúvida sobre cláusulas, mas à que paire sobre todo o contrato. Funda-se na razão principal de que não se deve supor que as partes tenham celebrado contrato inutilmente e sem seriedade.” Orlando Gomes, Contratos, p. 205. Há 2 efeitos básicos deste princípio: 1º Se 2 interpretações forem possíveis em cima de uma cláusula contratual, o juiz tem que escolher qual tem efeito prático, se tiver uma com efeito iníquo e outra com efeito prático, as partes não queiram uma cláusula que não adiantaria em nada, então ele vai escolher a interpretação que traz mais efeitos. Não é porque uma cláusula do contrato é nula, anulável ou abusiva, que o contrato inteiro é abusivo, há o Princípio da Conservação do Contrato, a invalidade parcial não contamina o contrato, de regra. A invalidade parcial não contamina o contrato, eventualmente quando a criança ligou 5h por dia para o Disque Sim, o juiz vai dizer que não deve cobrar porque o fornecedor deveria ver que a voz parecia de criança, mas o contrato da Tim com o pai da criança vale, ele só não vai pagar aquelas ligações. 2 conclusões: 1ª O juiz vai tirar a interpretação da cláusula que traz efeitos práticos, e não uma iníqua que não diz nada! 2ª O contrato sobrevive, embora a cláusula seja declarada abusiva.
        3.3) Princípio da Extrema Ratio (ou Princípio do Favor Debitoris): Vamos imaginar que estamos advogando para o dono da boate Kiss, vamos entrar com um habeas corpus no STJ defendendo que todo processo é nulo, porque na fase da investigação ele não foi ouvido por advogado, em geral, 5 ministros participam dos julgamentos das turmas do STJ, mas normalmente sobram 4, se o habeas corpus for julgado por 2x2, em via de regra, o habeas corpus é concedido, porque há o Princípio do Favor Rei, é como se a tese do réu tivesse vencido. Mutatis Mutandis: se o juiz localiza 2 interpretações, uma mais agressiva e outra menos agressiva contra o devedor, o juiz protege o devedor, penaliza menos, se ficar com dúvida, se a cláusula for expressa e não deixa dúvida, não entra aqui! Por exemplo, vou comprar moto de alguém, a pessoa vai vender por 60 mil reais que devem ser pagos em 10 vezes de 7 mil reais, esta cláusula não bate a forma de pagamento com o valor final, então o juiz tem 2 opções: ou ele vai pensar que está discriminado o dia do pagamento e tal, eles se atrapalharam e era 70 mil mesmo, mas se ele ficar com dúvida, ele diz que é 60 mil.

   4) Os Usos Interpretativos: Quando se fala em usos interpretativos, não estamos falando dos usos e costumes do direito. Usos e costumes no direito contratual, é a forma de execução habitual daquele contrato. Ex.¹: Celebrei contrato de locação com a alguém e tenho que pagar 2 mil reais até dia 5, no 1º ano paguei no dia certo, no 2º paguei no dia 10, no 3º também e no 4º também, no 5º ano o locador entra com ação por multa por eu ter atrasado no pagamento (ao invés de pagar no dia 5, paguei no dia 10), vou alegar que o juiz tem que interpretar este contrato conforme os nossos usos, que era pagar dia 10, o costume contratual era esse, o juiz não vai me tratar da mesma maneira se paguei sempre dia 10 e o laçador não reclamou, e quando paguei dia 10 num mês e o locador reclamou e entrou na justiça, porque na 2ª hipótese não teria uso contratual, mas na 1ª há tempos estou pagando no dia 10.

   5) Regras Específicas: 4 regras específicas de interpretação dos contratos:
        5.1) A Invalidade Parcial Não Contamina o Contrato (art. 184, CCB): Regra básica: Art. 184, CC – Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal. O contrato é muito rico, podem ter cláusulas maravilhosas, ou viciadas. A regra geral: se a obrigação principal é nítida, se a obrigação principal é válida, não tem vício em cima da obrigação principal, o contrato tem que permanecer, é o princípio da manutenção/conservação do contrato, anulo cláusulas, não o contrato! Ex.: Os planos de saúde não podem exigir dos médicos exclusividade, a cláusula é ilícita, será anulada, mas o contrato continua válido, mas agora o médico poderá contratar com outros planos de saúde.
        5.2) Proteção do Aderente (art. 424, CCB; 47, CDC): Art. 424, CC - Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Contrato de adesão, há uma regra de interpretação benéfica ao aderente, no contrato de adesão há 2 partes: Estipulante é quem criou o contrato, a Puc estipulou o contrato, os alunos são os aderentes, não tiveram possibilidade de discutir o contrato. É lícito o contrato de adesão, mas se o magistrado ficar em dúvida sobre alguma cláusulas, por exemplo, ele tem 3 interpretações possíveis, ele tem que escolher a que é mais favorável ao consumidor aderente.
        5.3) O Valor Jurídico do Silêncio (art. 111 CCB): O silêncio tem valor no direito civil! Art. 111, CC – O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. Exemplo: Professor pergunta para a turma se eles querem realizar prova dia 22 de maio e não 6 de maio, diz para quem estiver contra levantar a mão, ninguém levantou, a prova mudará de data, presume-se que não há dúvida! Então o silêncio pode gerar conclusões no direito dos contratos, em geral o juiz valoriza o que se chama de comportamento concludente, é o comportamento a partir do qual consigo tirar conclusões. Fazer um sinal para pedir a conta num restaurante também é um comportamento concludente!
        5.4) Irrelevância do Nomen Juris: Mesma regra da teoria geral do processo, por exemplo, eu locador entra com uma ação contra o locatário, que não pagou aluguel por 2 meses, preciso deste dinheiro para pagar a faculdade, quero despeja-lo, peço ao juiz para determinar o despejo, o problema é que batizei a ação de Ação de Divórcio, o juiz receberá a ação, não é o nome da ação que vai fazer a ação ser anulada, o mesmo vale para o direito contratual, ou seja, quero oferecer uma recompensa, vou pagar 3 mil reais para uma pessoa não vir com uma camiseta, coloco o nome do contrato de compra e venda, mas não seria isso. O fato de errar o nome do contrato não invalida o contrato, o juiz está interessado na essência do contrato!

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