Interpretação
dos Contratos
-> 3 obras complementares: 1ª O Caso dos Exploradores de Caverna – Lon Fuller (como julgar pessoas
que ficaram presas dentro de uma caverna, tem que julgar os atos deles ali
dentro); 2ª Metodologia da Ciência do Direito - Karl Larenz (estudo da história
do direito, e como cada período histórico interpretou o direito); 3ª Império do
Direito – Ronald Dworkin (estilo norte americano, começa capítulos com casos
importantes da Common Law, ele não é duro como o Larenz).
I. Introdução: Se chama
atenção de que quando se fala em interpretação dos contratos, há regras
diferentes.
1) Regra Geral (arts. 110 a
114, CCB): Há 5 artigos
que falam de interpretação na parte geral do CC aplicáveis aos negócios
jurídicos. Contrato é o principal negócio jurídico. O que caracteriza o negócio
jurídico e o diferencia em relação ao fato jurídico stricto sensu é que no negócio
jurídico o elemento decisivo é a vontade, se, por exemplo, alguém quer vender o
carro por 70 mil e eu não quiser pagar, não haverá negócio, porque nossas
vontades não se encontram.
2) Interpretação Subjetiva
(Princípio da Investigação da Vontade Real): Art.
112 do CC – Nas diz que
declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que
ao sentido literal da linguagem. 1ª Regra: Nas declarações de vontade, a gente se atem mais a intenção
das partes do que ao texto, por exemplo, expressões: 1. Ir ao encontro e ir de
encontro (grêmio está indo ao encontro da libertadores, estamos indo ao
encontro dela), ir ao encontro é na direção correta, de encontro é ao contrário.
Se juiz localiza num contrato a frase “As partes acertam que ambas devem ir de
encontro a concessionária e ao Detran para viabilizar a transferência do
financiamento e do certificado de propriedade”, o juiz se dar conta que se
enganaram na expressão, ele não vai proibir as partes de irem na concessionaria
e no Detran, desde que ele esteja convicto que o que as partes realmente
queriam era ir ao Detran, porque o que vale é a intenção das partes, não o que
está escrito! 2. Defeso (é defeso fumar = não posso fumar). Se o juiz encontrar
uma cláusula assim no contrato: “As partes acertam que até a regulação da guarda
é defeso ao cônjuge visitar livremente as crianças”, provavelmente as partes
queriam dizer é que até que eles se acertem com a guarda, a visitação é livre, então
o juiz vai dizer que não vai aplicar tal letra e aplica a vontade, mas às vezes
as partes não estão de acordo, ai tem problema, se não há acordo de intenção,
ele recorre a interpretação objetiva.
3) Interpretação Objetiva: Emílio Betti, que dava o seguinte exemplo: Remate
da Cabanha, vamos para lá, todos sentados no meio do remate e o leiloeiro diz
que vão leiloar um touro que parte de 20 mil reais, começam a dar lances, daí entra
uma pessoa atrasada no meio do leilão, uma amiga dela levanta a mão para dizer
que tem lugar ao lado dela, bem no momento que o leiloeiro pergunta quem dá 7
mil, então ele fecha o leilão e passa para outro animal, chega no final do
leilão, o organizador do leilão chega para a menina que levantou a mão e pede
para ela dar 10 mil pelo touro, ela diz que não ofereceu nada, mas ele diz que
está filmado que ela levantou a mão, ela disse que ela ter levantado a mão não
era pelo lance, Betti diria que ela deveria pagar os 10 mil, temos que parar de
analisar a vontade das partes e analisar mais os atos exteriores, porque quem
está dentro de uma sala de remate e faz isso, significa que ela dá o lance, a
responsabilidade deve ser assumida pela pessoa que praticou o gesto típico
naquele ambiente, pois o dono do touro ficou cuidando do touro e teria que
ficar mais um ano cuidando dele para tentar vender no leilão seguinte, com o
risco de o touro perecer, o Betti diz que devemos analisar casos objetivos,
nenhum cobrador vai perguntar se a pessoa que ser transportada para a Puc
naquele ônibus naquele dia, o que o cobrador tem que fazer é receber o dinheiro
(símbolo de que ela quer ser transportada) e o ônibus tem que parar na parada (símbolo
de que quer transportar). Casamento: o padre pergunta se a senhora aceita tal
pessoa como legítimo marido, o padre não pergunta porque, depende da pessoa,
isso é intenção objetiva, o importante é que digam sim na frente do juiz, se
não queriam, importa apenas o que eles disseram! Os 3 princípios mais objetivos:
3.1) Princípio da Boa Fé
(art. 157, BGB; art. 236, Portugal): Art. 113 do CC
–
Os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Por exemplo, uma ação que se encontra muito no judiciário: recebi email
da corretora dizendo que o seguro estava vencendo, com a proposta, respondo que
queria com 100 mil reais a mais de cobertura, no final do dia ela manda com o
doc junto, imprimo, pago no banco e quando saio do banco roubam meu carro,
ocorre ilícito entre o pagamento e a elaboração da apólice, pelo Princípio da Boa-Fé
o Tribunal diz que eles devem indenizar pelo roubo, pois ele pagou, então ele
estava com a intenção de contratar. Aos 29 anos alguém tem a informação que meu
pai não é meu pai biológico, então o juiz iria valorizar como foi tratado o
filho nos últimos 29 anos, então se o pai tratou como filho e o filho tratou
como pai, não há discussão, não interessa se tem ou não vínculo biológico.
3.2) Princípio da Conservação
do Contrato: “Segundo o princípio da conservação do contrato, quando uma
cláusula contratual admite dois sentidos deve ser entendida, conforme já
ensinara Pothier, naquele com o qual possa produzir qualquer efeito. Enuncia-se
hoje como princípio que inspira a interpretação integrativa, não se
restringindo à dúvida sobre cláusulas, mas à que paire sobre todo o contrato.
Funda-se na razão principal de que não se deve supor que as partes tenham
celebrado contrato inutilmente e sem seriedade.” Orlando Gomes, Contratos, p.
205. Há 2 efeitos
básicos deste princípio: 1º Se 2 interpretações forem possíveis em cima de uma
cláusula contratual, o juiz tem que escolher qual tem efeito prático, se tiver
uma com efeito iníquo e outra com efeito prático, as partes não queiram uma cláusula
que não adiantaria em nada, então ele vai escolher a interpretação que traz
mais efeitos. Não é porque uma cláusula do contrato é nula, anulável ou
abusiva, que o contrato inteiro é abusivo, há o Princípio da Conservação do Contrato,
a invalidade parcial não contamina o contrato, de regra. A invalidade parcial
não contamina o contrato, eventualmente quando a criança ligou 5h por dia para
o Disque Sim, o juiz vai dizer que não deve cobrar porque o fornecedor deveria
ver que a voz parecia de criança, mas o contrato da Tim com o pai da criança
vale, ele só não vai pagar aquelas ligações. 2 conclusões: 1ª O juiz vai tirar
a interpretação da cláusula que traz efeitos práticos, e não uma iníqua que não
diz nada! 2ª O contrato sobrevive, embora a cláusula seja declarada abusiva.
3.3) Princípio da Extrema
Ratio (ou Princípio do Favor Debitoris): Vamos imaginar que estamos advogando para o dono da boate Kiss, vamos
entrar com um habeas corpus no STJ defendendo que todo processo é nulo, porque
na fase da investigação ele não foi ouvido por advogado, em geral, 5 ministros
participam dos julgamentos das turmas do STJ, mas normalmente sobram 4, se o habeas
corpus for julgado por 2x2, em via de regra, o habeas corpus é concedido, porque
há o Princípio do Favor Rei, é como se a tese do réu tivesse vencido. Mutatis
Mutandis: se o juiz localiza 2 interpretações, uma mais agressiva e outra menos
agressiva contra o devedor, o juiz protege o devedor, penaliza menos, se ficar
com dúvida, se a cláusula for expressa e não deixa dúvida, não entra aqui! Por
exemplo, vou comprar moto de alguém, a pessoa vai vender por 60 mil reais que
devem ser pagos em 10 vezes de 7 mil reais, esta cláusula não bate a forma de
pagamento com o valor final, então o juiz tem 2 opções: ou ele vai pensar que
está discriminado o dia do pagamento e tal, eles se atrapalharam e era 70 mil
mesmo, mas se ele ficar com dúvida, ele diz que é 60 mil.
4) Os Usos Interpretativos: Quando se fala em usos interpretativos, não estamos
falando dos usos e costumes do direito. Usos e costumes no direito contratual,
é a forma de execução habitual daquele contrato. Ex.¹: Celebrei contrato de
locação com a alguém e tenho que pagar 2 mil reais até dia 5, no 1º ano paguei
no dia certo, no 2º paguei no dia 10, no 3º também e no 4º também, no 5º ano o
locador entra com ação por multa por eu ter atrasado no pagamento (ao invés de
pagar no dia 5, paguei no dia 10), vou alegar que o juiz tem que interpretar
este contrato conforme os nossos usos, que era pagar dia 10, o costume
contratual era esse, o juiz não vai me tratar da mesma maneira se paguei sempre
dia 10 e o laçador não reclamou, e quando paguei dia 10 num mês e o locador
reclamou e entrou na justiça, porque na 2ª hipótese não teria uso contratual,
mas na 1ª há tempos estou pagando no dia 10.
5) Regras Específicas: 4 regras específicas de interpretação dos
contratos:
5.1) A Invalidade Parcial
Não Contamina o Contrato (art. 184, CCB): Regra básica: Art. 184, CC – Respeitada
a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o
prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação
principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da
obrigação principal. O contrato é
muito rico, podem ter cláusulas maravilhosas, ou viciadas. A regra geral: se a obrigação
principal é nítida, se a obrigação principal é válida, não tem vício em cima da
obrigação principal, o contrato tem que permanecer, é o princípio da
manutenção/conservação do contrato, anulo cláusulas, não o contrato! Ex.: Os
planos de saúde não podem exigir dos médicos exclusividade, a cláusula é
ilícita, será anulada, mas o contrato continua válido, mas agora o médico
poderá contratar com outros planos de saúde.
5.2) Proteção do Aderente
(art. 424, CCB; 47, CDC): Art. 424, CC - Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que
estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do
negócio.
Contrato de adesão, há uma regra
de interpretação benéfica ao aderente, no contrato de adesão há 2 partes: Estipulante
é quem criou o contrato, a Puc estipulou o contrato, os alunos são os
aderentes, não tiveram possibilidade de discutir o contrato. É lícito o contrato
de adesão, mas se o magistrado ficar em dúvida sobre alguma cláusulas, por
exemplo, ele tem 3 interpretações possíveis, ele tem que escolher a que é mais
favorável ao consumidor aderente.
5.3) O Valor Jurídico do
Silêncio (art. 111 CCB): O silêncio
tem valor no direito civil! Art. 111, CC – O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou
os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. Exemplo: Professor pergunta para a turma se eles querem
realizar prova dia 22 de maio e não 6 de maio, diz para quem estiver contra levantar
a mão, ninguém levantou, a prova mudará de data, presume-se que não há dúvida!
Então o silêncio pode gerar conclusões no direito dos contratos, em geral o
juiz valoriza o que se chama de comportamento concludente, é o comportamento a
partir do qual consigo tirar conclusões. Fazer um sinal para pedir a conta num
restaurante também é um comportamento concludente!
5.4) Irrelevância do Nomen
Juris: Mesma regra
da teoria geral do processo, por exemplo, eu locador entra com uma ação contra o
locatário, que não pagou aluguel por 2 meses, preciso deste dinheiro para pagar
a faculdade, quero despeja-lo, peço ao juiz para determinar o despejo, o
problema é que batizei a ação de Ação de Divórcio, o juiz receberá a ação, não
é o nome da ação que vai fazer a ação ser anulada, o mesmo vale para o direito
contratual, ou seja, quero oferecer uma recompensa, vou pagar 3 mil reais para
uma pessoa não vir com uma camiseta, coloco o nome do contrato de compra e
venda, mas não seria isso. O fato de errar o nome do contrato não invalida o
contrato, o juiz está interessado na essência do contrato!
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