Por que Punir? (As Teorias da Pena)
- Abolicionismo (linha de resposta negativa – devolve a pergunta: punir
por quê?):
* Individualista-Anarquista
-> Max Stirner (“O Único e sua Propriedade” - 1844): Trata-se de uma
versão radical do abolicionismo, como o próprio nome indica, defendem o fim do
Estado (e com ele o direito e o sistema penal). Valoriza atos como a rebelião e
as transgressões, entendendo-os como pura manifestação de um egoísmo inato ao
ser humano. Por essa razão, tais atos não podem ser investigados, julgados ou
condenados. -> Isso já dá uma
ideia do radicalismo da posição.
* Moralista Solidário (Holista
Anarquista Pós-Marxiano) -> Molinari, Malatesta, Godwin, Bakuin, Kropotkin (“Em
Prisões Russas e Francesas”): Também vai defender o fim do Estado e do
sistema penal. Entretanto, acredita que do seu desaparecimento surgirão novos
instrumentos capazes de prevenir a prática de delitos. Assim, por exemplos: força
invisível da educação moral, solidarismo terapêutico, difusão social do
controle e da vigilância, olho público, pressão da opinião pública. -> Final do século 19. É anarquista
mesmo, não compactua com nenhuma forma de organização de Estado, nem autoritário,
nem totalitário, nem democrático, nem teocrático, ou seja, nenhuma forma de
Estado seria aceitável. E dessa aparente desorganização nasceria uma
organização baseada na ideia de fraternidade/solidariedade. Queria a cessação
do pagamento de dívidas privadas pela intervenção do Estado, deixando a cada
devedor o direito de pagar as suas, se quiser; a cessação do pagamento de
quaisquer impostos e o adiantamento de todas as contribuições direta ou
indireta, ou seja, fim dos tributos; a dissolução do exército, da magistratura,
da burocracia, da polícia e do clero; abolição da justiça oficial, suspensão de
tudo que juridicamente se chamava “direito” e o exercício desses direitos. Aqui
no final do século 19, a maioria das pessoas partilhava da ideia de que o ser
humano não detinha livre arbítrio, não era moralmente autônomo, não podia
escolher entre fazer ou não fazer alguma coisa, e sim era alguém que era levado
à prática de um delito, era determinado (ideia de determinismo). Se o sujeito
não tem autonomia para escolher entre praticar ou não pratica o crime, se ele é
levado à prática do crime por razões sociais, o Estado não tem moral para
puni-lo. O único direito que se pode reconhecer à sociedade em seu estado atual
de transição, é o direito natural de assassinar os criminosos produzidos por
ela mesma, no interesse da sua própria defesa, e não poder julga-los e
condena-los, esse não será propriamente um direito na acepção estrita do termo,
mas antes um fato natural aflitivo, mas inevitável, signo e produto da impotência
e da estupidez da sociedade atual, e quanto mais a sociedade souber evitar de
utiliza-lo, mais ela estará próxima da sua real emancipação.
---> Essas duas versões de abolicionismo serviram para dar o
ponta pé inicial da coisa, mas é difícil hoje imaginar um contexto onde essas
coisas poderiam ter lugar. É muito difícil de imaginar que alguém esteja
roubando alguma coisa de uma loja, venha outra pessoa, vê, o repreende, ele
devolva o produto a prateleira e os dois se abracem fraternamente e tudo fica
bem, isso nunca aconteceu!
* Moralista Utópico -> Louk
Hulsman (Holandês – “Penas Perdidas – Um Sistema Peal em Questão”), Nils Christie,
Henri Bianchi: Já não é uma versão anarquista. Circunscreve a sua crítica
ao sistema penal, cujo desaparecimento advoga. Em seu lugar, para o trato das
situações problemáticas (modo como designa os delitos), defende a adoção do
sistema cível (para o quanto também seria necessário desdramatizar a violência,
resgatar o papel de agentes da paz que era original da polícia, e aproximar as
partes mediante um processo de conciliação conduzido pelo juiz). -> Hulsman morreu há alguns anos atrás,
os outros ainda estão vivos. Esse é o abolicionismo dos dias de hoje, que tem
dignidade para discutirmos! Cinco estudantes moram juntos, um deles se arremessa
contra a televisão e a danifica, quebrando também alguns pratos, como reagem os
seus companheiros: o estudante 2 furioso diz que não quer mais morar com o 1º e
fala em expulsa-lo da casa, o estudante 3 declara que o que se tem que fazer é
comprar uma nova televisão, outros pratos, e ele que pague, o estudante 4
traumatizado com o que acabou de presenciar, grita que ele está doente e precisa-se
leva-lo ao psiquiatra, o estudante 5, enfim, sussurra “E a gente, pessoal, que
achava que se entendia bem, mas algumas coisas devem estar erradas em nossa
comunidade permitindo um gesto como este, vamos juntos fazer um exame de consciência.”.
Aqui se tem quase todos os tipos de reações possíveis diante de um
acontecimento atribuível a uma pessoa, o instinto punitivo, compensatório, terapêutico
e conciliador, se deixarmos as pessoas diretamente envolvidas manejarem seus
próprios conflitos, veremos que ao lado da reação punitiva, frequentemente vão
aparecer outros estilos de controle social, medidas sanitárias, educativas, de assistência
material, psicológica, reparatória, etc. Chamar um fato de crime significa
excluir de antemão todas essas outras linhas, se limitar ao estilo punitivo, e
ao estilo punitivo da linha sócio estatal, ou seja, um estilo punitivo dominado
pelo pensamento jurídico, exercido com uma distância enorme da realidade por
uma rígida estrutura burocrática, para Hulsman não há nem crimes, nem delitos,
mas apenas situações problemáticas, e sem a participação das pessoas
diretamente envolvidas, nessas situações, é impossível resolve-las de uma forma
humana. Alguém vem na minha casa e rouba minha bicicleta, no caminho de volta,
policiais pegam o ladrão, me devolvem a bicicleta e prendem o ladrão, se eu
quisesse doar a minha bicicleta para o ladrão, eu até poderia, mas não iria
evitar a delegacia, o ladrão vai ser preso em flagrante, pois se o policial
aceitasse isso, ele estaria praticando crime (prevaricação), depois um delegado
poderia dizer que há insignificância do fato, ela concordância da vítima, que
inclusive já doou a bicicleta ao sujeito, pede para que o cara não seja preso,
etc, mas pode ser que um juiz homologue esse flagrante e ainda decrete uma
prisão preventiva. Essa é a dignidade do abolicionismo dos dias de hoje, que é
colocar o problema “será que só sabemos resolver esses problemas via direito
penal?”. A Lei Maria da Penha é para evitar que se monetize a situação. O ponto
central é que substituiríamos o sistema penal pelo sistema cível e resolveríamos
os problemas assim, no caso do furto até dá certo, mas como resolveríamos um homicídio,
um estupro, um latrocínio num processo cível? Não tem como imaginar isso hoje,
nem num futuro próximo, então o abolicionismo é insuficiente na sua proposta
final, o autor diz “adotaríamos o sistema cível, com algumas modificações que teríamos
que implementar”, mas ele não diz quais são, e realmente é difícil imaginar
quais seriam.
---> Na verdade aqui não há necessariamente uma cronologia, dá
para afirmar que o Moralismo Utópico é atual, já as outras 2 versões conviveram
no mesmo tempo e no mesmo espaço.
---> Em geral, os autores abolicionistas tiveram a experiência do
cárcere, isso é aparentemente algo que redefine uma vida, e por isso essa
convicção de alma contra o sistema penal, para pronunciar/denunciar a crueldade
do sistema penal.
*** Filme “Papillon”
- Justificacionismo (linha de resposta positiva):
* Doutrinas Absolutas ou
Retribucionistas: Pune-se “quia peccatum est” (porque é pecado, porque o
sujeito pecou). A pena, portanto, se orienta e justifica para o passado. A pena
se justifica em si mesma, é a pena pela pena. Em suma: pena é castigo, paga retribuição
pelo delito cometido. -> A lógica
do retribucionismo é uma forma de orientar a justificação da pena que olha para
trás! Nesse ponto de vista, vamos localizar duas expressões de retribucionismo?
-> Retribuição Ética – Kant: Quando
alguém comete um delito, agride a ordem moral, e ao agredir a ordem moral, abre
caminho para a aplicação de uma pena que se justifica enquanto forma de repor/reparar
a ordem moral, de devolver ao estado original a ordem moral. A pena se
justifica olhando para o passado. Ex.: havia uma sociedade estabelecida em uma
ilha com as suas instituições, entre elas uma prisão, e num dado momento, por questões
naturais o pessoal decide que é melhor abandonar a ilha, e delibera que vão
deixa-la, ai vem a pergunta “e os presos que estão ainda cumprindo pena por
alguns anos, o que fazer com eles?”, então ele diz que só se poderá abandonar a
ilha depois da execução da última pena do último preso, portanto há um
paradoxo, estou num local, cumprindo uma pena, depois que eu terminar de
cumprir essa pena, eu tenho que embarcar e ir embora, porque não há sociedade,
não há nada ali, e ainda assim, eu teria que cumprir a pena até o final, nesta
lógica que a pena se justifica olhando para trás!
-> Retribuição Jurídica – Hegel: Há um pequeno avanço no sentido
da fundamentação. Hegel diz que não se trata de atendado à ordem moral, o crime
é, antes de tudo, um atentado à ordem jurídica. O que nós temos é uma coleção
de bens jurídicos-penais protegidos/tutelados – Matar alguém, leia-se: “não
mate ninguém!”, matar alguém tem reclusão de 6 a 20 anos, está protegido o bem
jurídico mais importante de uma democracia, que é a vida! Quem violar a ordem
jurídica, ofender o bem jurídico protegido vai ser destinatário da pena
correspondente! Hegel de alguma maneira seculariza o discurso. A pena,
portanto, é a forma de reparar a ordem jurídica, de fazer justiça à ordem
jurídica, devolvendo seu estado original, reparando/repondo a sua integridade.
Pena é algo que se coloca para reprimir o delito!
Crítica ao Retribucionismo:
- Objeção Platônica: O que está feito não pode ser desfeito! Crime
é fato histórico, aconteceu, passou o tempo. Pena nenhuma tem a capacidade de repor/desfazer/recompor
o estado original.
- Quando punir – Só respondem a isso! Se pune quando alguém
praticar um delito, isso é importante, mas a pergunta é “por que punir”! O “por
que punir” se projeta para o futuro, e não para o passado, então só vou poder
responder adequadamente se eu olhar para frente, e quem vai olhar para frente
serão os utilitaristas.
* Doutrinas Relativas ou
Utilitaristas: Pune-se “ut ne peccetur” (para que não se peque mais). A
pena só se justifica em razão do seu fim útil futuro, ou seja, o da prevenção de novos delitos.
-> Aqui nós passamos efetivamente
a discutir a questão, vou punir alguém para castigar (é óbvio), mas o que eu
quero? Quero prevenir a prática de novos delitos.
->
Duas espécies de utilitarismo através da história:
- Utilitarismo “ex
parte principis” (é completamente impossível admitir isso em termos de Estado
Democrático de Direito):
Realismo de
Platão: onde a utilidade visada com a pena era a dos governantes. -> Para
quem estava governando.
Idealismo de Maquiavel e Carl
Schmitt: onde a utilidade buscada com a pena era a do Estado, tido como ente
superior, acima do direito, da moral e da própria sociedade. -> Pena
vinculada a busca de uma utilidade para o Estado, mas tomado este Estado como
ente destacado/superior/acima do direito e da moral, inclusive da própria
sociedade.
- Utilitarismo “ex
parte populi” (é debatível, inclusive até os dias de hoje, vai
instrumentalizar/buscar os fins da pena em razão da sociedade, da coletividade,
dos cidadãos):
A utilidade visada
é a da maioria (Beccaria – a ideia de máxima felicidade dividida entre a
maioria).
Ferrajoli: hoje.
-> Do utilitarismo surgiram as chamadas doutrinas da prevenção
(especial/geral; positiva/negativa), as quais, combinadas, deram origem as
seguintes versões:
- Prevenção Especial Positiva: o objetivo é a ressocialização,
a reinserção, a repersonalização, a reeducação (“discursus re”).
- Prevenção Especial Negativa: o objetivo da pena é a neutralização,
a inocuização.
- Prevenção Geral Positiva: o objetivo da pena é a
integração (pena como reforço a fidelidade dos associados).
- Prevenção Geral Negativa: o objetivo da pena é a intimidação
(pena como ameaça dissuasória à prática de novos delitos).
* Especial porque é em relação especificamente a quem recebe a
pena.
* Geral porque é em relação a quem assiste a pena sendo aplicada.
---> Essas são as justificativas atuais e tradicionais pra
responder àquela pergunta “por que punir?”.
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