sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Direito Penal III (24/08/2012)



Análise Crítica:
- Ferrajoli: Beccaria/Ferrajoli
   * Beccaria: Pena como prevenção de delitos visando à máxima seguridade aos não desviados (maioria).
   * Ferrajoli: Como justifico a pena num crime culposo? Não tenho justificativa, então deixaria de aplicar a pena e o acusado pediria solene desculpa à família do morto, mas isso não ficaria resolvido! Se o Estado, num caso de homicídio culposo de trânsito, dissesse que se não tem um fundamento jurídico de porquê punir, então não puniria, só faria o réu pedir desculpas, então o pai do morto iria partir para a vingança pessoal. Vale a pena pagar esse custo? A democracia consentiria em pagar esse custo? Vai parecer paradoxal, mas não é mais do que aparência. A pena se justifica, em relação a quem recebe, não como forma de ressocialização/reeducação/neutralização, mas como forma de evitar que a pessoa receba punições arbitrárias aplicadas diretamente pela vitima ou por seus familiares, portanto a pena funciona como forma de prevenir a vingança privada, que seguramente teria custos muito maiores do que a pena legislada, prevista em lei, aplicada pelo judiciário, executada pelo Estado. A pena se justifica na perspectiva de quem a recebe porque esse sujeito quer essa e não outra pena, então ele é interessado e quer cumprir a pena estatal, embora possa parecer, na verdade não é nada paradoxal. A pena visa a redução da violência na sociedade: da violência dos crimes por meio da parte proibitiva do direito penal; mas também da violência das penas arbitrárias, por intermédio da parte punitiva do direito penal.
-> Do que resulta um duplo caráter preventivo que se reconhece à pena:
      - Prevenção de novos delitos – na utilidade da maioria (representada pelos não desviados);
      - Prevenção de penas arbitrárias, informais, do regresso à vingança privada – na utilidade da minoria (representada pelos desviados).
-> Na perspectiva dele, garantista, direito penal mínimo, funciona como uma poderosa ferramenta de tutela dos direitos fundamentais, por isso o direito penal na democracia pé a lei do mais fraco, que no momento do crime, quem tem seus direitos fundamentais em cheque é a vítima, portanto o direito penal tem que intervir para protegê-la. Mas uma vez que foi identificado o autor do fato e agora ele vai ser punido, também funcione para a tutela dos direitos fundamentais desse, evitando que receba punições arbitrárias, feitas privadamente pela vítima ou por seus partidários. Essa é a perspectiva a propósito de Ferrajoli. Na democracia cada um tem o direito de ser quem é, isso vai ao ponto de dizer que alguém pode escolher ser mau, e é direito dele! Se, em sendo mau, produzir a violação de algum direito tutelado pelo direito penal de outro, vamos chamar isso de crime, e o sistema penal vai atuar sobre ele, e a consequência será uma pena que terá que ser cumprida, se ele quiser repetir isso, há um ônus que de novo vamos impor a ele, que é o cumprimento da pena. Mas parece inadequado, e não se conforta com lógica do Estado democrático, que o Estado diga o modelo de pessoa que o sujeito tem que ser, mas no nosso sistema penal isso nem se discute. Mas ainda que a penitenciária fosse um local adequado, o Estado não teria esse direito de trocar a cabeça das pessoas. O desejo de toda sociedade é que fossem oferecidas condições para mudar, ou seja, que fosse oferecida a possibilidade e mudar. Se o sujeito não prova que está ressocializado, que está se ressocializando, que, portanto está menos perigoso, não progride, não leva livramento condicional, ai que se identifica a cogência, a obrigatoriedade, a colocação da ressocialização como algo que tem que acontecer, mas se eles querem isso, pelo menos eles têm que dar a possibilidade de a pessoa mudar, dando melhores condições nas prisões!

- Zaffaroni: Vai recuperar um penalista brasileiro do século 19, negro, que contra todas as expectativas tornou-se um jurista respeitadíssimo, que foi Tobias Barreto (“Estudos de Direito”). Tobias diz que guerra não tem fundamento jurídico, mas acontece, não adianta discutir! A pena também não tem fundamento jurídico, então é perda de tempo discutir porquê punir, pois com ou sem fundamento jurídico, pena sempre houve e vai continuar havendo! Interessa reconhecer o fenômeno da pena assim como o fenômeno da guerra, não no plano jurídico, mas sim no plano político, são fenômenos políticos que sempre existiram e tendem a continuar existindo indefinidamente. Durante o século 20, criou-se um direito de guerra, com limitações, pois se reconheceu que guerra gera dano/dor/sofrimento, então algumas coisas eu posso e outras eu não posso fazer, mesmo que eu esteja em guerra, por exemplo, dominado no território pelo exército que invade o país, rende mil soldados, não é possível fuzila-los, nem pode abusar da população do país que está dominado. Portanto, a pergunta que se tem que fazer não é “por que punir” e sim “como punir”!
   * Teoria Agnóstica: Com muita precisão, Zaffaroni recupera esse brasileiro e o coloca como base para essa teoria chamada agnóstica, pois ele não deposita fé em nenhum fundamento da pena e reconhecer que temos que revisar em matéria de pena, aquilo que realizamos em matéria de guerra e de entorpecentes, que é uma política de redução de danos! A constituição fala do Princípio da Intranscendência da Pena (Pessoalidade da Pena), em que diz que a pena não passará da pessoa do condenado, mas é evidente que na prática não perde a liberdade só quem recebe a pena (que seria justo), mas também se atinge indiretamente, mesmo que não se queira, aqueles que ele ajuda a se sustentar, que dependem dele, familiares, etc. Então há sim uma consequência e é preciso se trabalhar sobre a modulação dessas consequências.
-> Para a nossa lei ordinária infraconstitucional, de fato se assume a ideia de ressocialização, talvez a ideia de neutralização em alguns pontos, teoricamente haveria um compromisso assumido com essas finalidades da pena. Mas isso não ocorre na constituição, ela não diz qual o fim da pena, mas ela está preocupada com limitar o poder punitivo. A lei não pode valer só na tutela da maioria. Negação (Zaffaroni) e redefinição (Ferrajoli) das doutrinas penalógicas!

Medição da Pena

Método Trifásico:
- Em 1603 temos as Ordenações Filipinas e vigoraram até 1830, não havia medição de pena e não havia fundamentação! Em 1830 o Brasil começa a ter um Código Criminal (antes de Portugal, que só vai ter em 1850, muito inspirado no nosso), e o nosso Código dispõe, na parte especial, na parte dos tipos penais associa à pena correspondente, que poderia ter no grau mínimo, médio ou no máximo, e era isso, também não se exigia fundamentação! Em 1890 trocamos esse Código, e o Novo Código no tema aplicação/medição de pena não evoluiu praticamente nada, se agregou 2 níveis a mais (entre mínimo e médio e entre médio e máximo), então o juiz passava a ter 5 possibilidades! Somente em 1940 que o Brasil passa a ter um Código Penal com feições mais modernas. Esse Método Trifásico apareceu no Código de 1940 (a partir do art. 42), continuou no de 1984 e no Novo Código também continuará! Hoje pode ser identificado no art. 68 Código Penal.

1ª Fase – Pena-base: Análise das chamadas “circunstâncias judiciais”, que está no art. 59 CP.
2ª Fase – Pena Provisória ou Intermediária: Análise das “circunstâncias legais”, que são as chamadas circunstâncias agravantes (entre os arts. 61 a 64 CP) e as circunstâncias atenuantes (entre os arts. 65 e 66 CP), nessa ordem. Chegamos nesse 2º momento com um número (pena-base) e se analisa se há agravantes ou atenuantes, se são subjetivas ou não, se for pode-se compensá-las.
3ª Fase – Pena Definitiva ou Final: Análise das causas de aumento (majorantes); e também das causas de diminuição (minorantes).
*** Embora a proximidade terminológica de majorantes e agravantes, e minorantes e atenuantes, não haverá confusão, elas são identificáveis porque usam fatores de multiplicação (majorante/minorante) e frações (agravantes/atenuantes).

-> Existem elementos fáticos que aparentemente se enquadram nas 3 fases. Ex.: Um roubo produzido por 3 ou 4 pessoas em concurso de agentes, essa circunstância caberia analisar no art. 59, o fato desse delito ter sido produzido em concurso de agentes, no art. 62 é uma agravante, e no art. 157 vamos ver que há uma hipótese de majoração por roubo em concurso de pessoas! O que não posso fazer é pegar um elemento (concurso de agentes) e aumentar a pena na 1ª, na 2ª e na 3ª fase, pelo princípio do “non bis in idem”, não posso usar mais de uma vez, só posso usar uma, mas a questão é: em qual delas? Está como progressão porque as circunstâncias judiciais têm um certo peso, na 2ª fase tem mais peso, e se previsto como na 3ª fase, impacta ainda mais no cálculo! Então devemos usar esse elemento que se enquadra em mais de um momento, uma única vez, onde ele impacte mais no cálculo, se couber nas 3 fases, vai ser usado na 3ª e apenas lá, se couber na 1ª e na 2ª, se usará somente na 2ª!

1ª Fase: Pena-base: Circunstâncias judiciais: São 8! O juiz tem que analisar cada uma delas para destinar uma punição necessária e suficiente à repressão e prevenção do delito, é a busca da proporção certa (proporcionalidade). A culpabilidade tem uma dupla fase, é um elemento do crime, é algo estrutural, está no último nível de análise da Teoria do Delito, então quem produz um injusto penal já produziu uma conduta típica e antijurídica, não dou uma pena para ele, ainda tenho que fazer uma pergunta: ele é culpável, isto é, ele é passível de censurabilidade? E para isso deve-se fazer as 3 últimas perguntas: Ele é imputável? Ele tinha ao menos potencial consciência da ilicitude? Era exigível dele conduta de acordo com o direito? Se sim a todas as respostas, se ele é culpável, é reprovável! Posso não ser imputável, posso não ter consciência da ilicitude (se, por exemplo, atuei em erro de proibição), posso estar em uma situação em que não era exigível outra conduta, pois estava em coação moral irresistível, em obediência hierárquica ou na inexigibilidade de conduta de acordo com o direito, mas se não estava em alguma dessas hipóteses, sou culpável! Culpabilidade aqui é limite não ultrapassável da pena e permanece com a ideia de juízo de reprovação/censura. Ex.: posso matar alguém utilizando fogo, explodindo alguma coisa e matando a pessoa queimada, isso seria um homicídio qualificado (gravíssimo) pela circunstância “meio insidioso ou cruel: fogo”, mas também posso matar essa pessoa da mesma forma, mas queimando aos pouquinhos, passa o dia inteiro queimando e depois de 15 horas, o sujeito morreu queimado, a configuração é a mesma, nas 2 hipóteses o júri condena o autor, mas o juiz deve dar a mesma pena? Não, é mais censurável/reprovável o comportamento daquele que matou lentamente do que o que matou de uma vez só. Outro exemplo seria eu apontar um revólver para alguém, aterrorizo o sujeito e consigo roubá-lo, eu saio rindo, pois a arma era de brinquedo, é roubo mesmo assim, mas não é roubo majorado por uso de arma de fogo, pois não tem arma de fogo, mas é roubo! Mas se o sujeito produz o mesmo comportamento, aterroriza muito a vítima com uma arma de brinquedo, faz que vai atirar, faz meia hora de terrorismo psicológico, rouba a vítima e vai embora, produziu o mesmo crime, com o mesmo resultado, mas esse segundo comportamento vai ser mais censurável do que aquele primeiro que levou 30 segundos! Mas chegamos numa doutrina atual, em que vamos encontrar a seguinte referência: “culpabilidade: esse é o momento em que o magistrado vai analisar para medida da pena, a intensidade do dolo e o grau da culpa!”. Intensidade do dolo e grau da culpa é algo normativamente vinculado à Teoria Casualista da Ação, que está descartado do Brasil desde 1984, culpabilidade foi o que se colocou no lugar, então aqui não se pode falar em intensidade do dolo e grau da culpa!

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