Análise Crítica:
- Ferrajoli: Beccaria/Ferrajoli
* Beccaria: Pena como
prevenção de delitos visando à máxima seguridade aos não desviados (maioria).
* Ferrajoli:
Como justifico a pena num crime culposo? Não tenho justificativa, então
deixaria de aplicar a pena e o acusado pediria solene desculpa à família do
morto, mas isso não ficaria resolvido! Se o Estado, num caso de homicídio
culposo de trânsito, dissesse que se não tem um fundamento jurídico de porquê
punir, então não puniria, só faria o réu pedir desculpas, então o pai do morto
iria partir para a vingança pessoal. Vale a pena pagar esse custo? A democracia
consentiria em pagar esse custo? Vai parecer paradoxal, mas não é mais do que
aparência. A pena se justifica, em relação a quem recebe, não como forma de ressocialização/reeducação/neutralização,
mas como forma de evitar que a pessoa receba punições arbitrárias aplicadas
diretamente pela vitima ou por seus familiares, portanto a pena funciona como
forma de prevenir a vingança privada, que seguramente teria custos muito
maiores do que a pena legislada, prevista em lei, aplicada pelo judiciário,
executada pelo Estado. A pena se justifica na perspectiva de quem a recebe porque
esse sujeito quer essa e não outra pena, então ele é interessado e quer cumprir
a pena estatal, embora possa parecer, na verdade não é nada paradoxal. A pena
visa a redução da violência na sociedade: da violência dos crimes por meio da
parte proibitiva do direito penal; mas também da violência das penas
arbitrárias, por intermédio da parte punitiva do direito penal.
-> Do que resulta um duplo caráter preventivo que se reconhece à
pena:
- Prevenção de novos
delitos – na utilidade da maioria (representada pelos não desviados);
- Prevenção de penas
arbitrárias, informais, do regresso à vingança privada – na utilidade da
minoria (representada pelos desviados).
-> Na perspectiva dele, garantista, direito penal mínimo,
funciona como uma poderosa ferramenta de tutela dos direitos fundamentais, por
isso o direito penal na democracia pé a lei do mais fraco, que no momento do
crime, quem tem seus direitos fundamentais em cheque é a vítima, portanto o direito
penal tem que intervir para protegê-la. Mas uma vez que foi identificado o
autor do fato e agora ele vai ser punido, também funcione para a tutela dos
direitos fundamentais desse, evitando que receba punições arbitrárias, feitas
privadamente pela vítima ou por seus partidários. Essa é a perspectiva a propósito
de Ferrajoli. Na democracia cada um tem o direito de ser quem é, isso vai ao
ponto de dizer que alguém pode escolher ser mau, e é direito dele! Se, em sendo
mau, produzir a violação de algum direito tutelado pelo direito penal de outro,
vamos chamar isso de crime, e o sistema penal vai atuar sobre ele, e a
consequência será uma pena que terá que ser cumprida, se ele quiser repetir
isso, há um ônus que de novo vamos impor a ele, que é o cumprimento da pena.
Mas parece inadequado, e não se conforta com lógica do Estado democrático, que
o Estado diga o modelo de pessoa que o sujeito tem que ser, mas no nosso
sistema penal isso nem se discute. Mas ainda que a penitenciária fosse um local
adequado, o Estado não teria esse direito de trocar a cabeça das pessoas. O
desejo de toda sociedade é que fossem oferecidas condições para mudar, ou seja,
que fosse oferecida a possibilidade e mudar. Se o sujeito não prova que está
ressocializado, que está se ressocializando, que, portanto está menos perigoso,
não progride, não leva livramento condicional, ai que se identifica a cogência,
a obrigatoriedade, a colocação da ressocialização como algo que tem que
acontecer, mas se eles querem isso, pelo menos eles têm que dar a possibilidade
de a pessoa mudar, dando melhores condições nas prisões!
- Zaffaroni: Vai recuperar um penalista brasileiro do século 19, negro,
que contra todas as expectativas tornou-se um jurista respeitadíssimo, que foi
Tobias Barreto (“Estudos de Direito”). Tobias diz que guerra não tem fundamento
jurídico, mas acontece, não adianta discutir! A pena também não tem fundamento
jurídico, então é perda de tempo discutir porquê punir, pois com ou sem
fundamento jurídico, pena sempre houve e vai continuar havendo! Interessa
reconhecer o fenômeno da pena assim como o fenômeno da guerra, não no plano
jurídico, mas sim no plano político, são fenômenos políticos que sempre existiram
e tendem a continuar existindo indefinidamente. Durante o século 20, criou-se
um direito de guerra, com limitações, pois se reconheceu que guerra gera dano/dor/sofrimento,
então algumas coisas eu posso e outras eu não posso fazer, mesmo que eu esteja em
guerra, por exemplo, dominado no território pelo exército que invade o país,
rende mil soldados, não é possível fuzila-los, nem pode abusar da população do
país que está dominado. Portanto, a pergunta que se tem que fazer não é “por
que punir” e sim “como punir”!
* Teoria
Agnóstica: Com muita precisão, Zaffaroni recupera esse brasileiro e o
coloca como base para essa teoria chamada agnóstica, pois ele não deposita fé
em nenhum fundamento da pena e reconhecer que temos que revisar em matéria de
pena, aquilo que realizamos em matéria de guerra e de entorpecentes, que é uma
política de redução de danos! A constituição fala do Princípio da Intranscendência
da Pena (Pessoalidade da Pena), em que diz que a pena não passará da pessoa do
condenado, mas é evidente que na prática não perde a liberdade só quem recebe a
pena (que seria justo), mas também se atinge indiretamente, mesmo que não se
queira, aqueles que ele ajuda a se sustentar, que dependem dele, familiares,
etc. Então há sim uma consequência e é preciso se trabalhar sobre a modulação dessas
consequências.
-> Para a nossa lei ordinária infraconstitucional, de fato se
assume a ideia de ressocialização, talvez a ideia de neutralização em alguns
pontos, teoricamente haveria um compromisso assumido com essas finalidades da
pena. Mas isso não ocorre na constituição, ela não diz qual o fim da pena, mas ela
está preocupada com limitar o poder punitivo. A lei não pode valer só na tutela
da maioria. Negação (Zaffaroni) e redefinição (Ferrajoli) das doutrinas penalógicas!
Medição da Pena
Método Trifásico:
- Em 1603 temos as Ordenações Filipinas e vigoraram até 1830, não
havia medição de pena e não havia fundamentação! Em 1830 o Brasil começa a ter
um Código Criminal (antes de Portugal, que só vai ter em 1850, muito inspirado
no nosso), e o nosso Código dispõe, na parte especial, na parte dos tipos
penais associa à pena correspondente, que poderia ter no grau mínimo, médio ou
no máximo, e era isso, também não se exigia fundamentação! Em 1890 trocamos
esse Código, e o Novo Código no tema aplicação/medição de pena não evoluiu
praticamente nada, se agregou 2 níveis a mais (entre mínimo e médio e entre
médio e máximo), então o juiz passava a ter 5 possibilidades! Somente em 1940
que o Brasil passa a ter um Código Penal com feições mais modernas. Esse Método
Trifásico apareceu no Código de 1940 (a partir do art. 42), continuou no de
1984 e no Novo Código também continuará! Hoje pode ser identificado no art. 68
Código Penal.
1ª Fase – Pena-base: Análise das chamadas “circunstâncias judiciais”,
que está no art. 59 CP.
2ª Fase – Pena Provisória ou Intermediária: Análise das “circunstâncias
legais”, que são as chamadas circunstâncias agravantes (entre os arts. 61 a 64
CP) e as circunstâncias atenuantes (entre os arts. 65 e 66 CP), nessa ordem.
Chegamos nesse 2º momento com um número (pena-base) e se analisa se há agravantes
ou atenuantes, se são subjetivas ou não, se for pode-se compensá-las.
3ª Fase – Pena Definitiva ou Final: Análise das causas de aumento (majorantes);
e também das causas de diminuição (minorantes).
*** Embora a proximidade terminológica de majorantes e agravantes,
e minorantes e atenuantes, não haverá confusão, elas são identificáveis porque
usam fatores de multiplicação (majorante/minorante) e frações
(agravantes/atenuantes).
-> Existem elementos fáticos que aparentemente se enquadram nas
3 fases. Ex.: Um roubo produzido por
3 ou 4 pessoas em concurso de agentes, essa circunstância caberia analisar no
art. 59, o fato desse delito ter sido produzido em concurso de agentes, no art.
62 é uma agravante, e no art. 157 vamos ver que há uma hipótese de majoração por
roubo em concurso de pessoas! O que não posso fazer é pegar um elemento (concurso
de agentes) e aumentar a pena na 1ª, na 2ª e na 3ª fase, pelo princípio do “non
bis in idem”, não posso usar mais de uma vez, só posso usar uma, mas a questão
é: em qual delas? Está como progressão porque as circunstâncias judiciais têm
um certo peso, na 2ª fase tem mais peso, e se previsto como na 3ª fase, impacta
ainda mais no cálculo! Então devemos usar esse elemento que se enquadra em mais
de um momento, uma única vez, onde ele impacte mais no cálculo, se couber nas 3
fases, vai ser usado na 3ª e apenas lá, se couber na 1ª e na 2ª, se usará
somente na 2ª!
1ª Fase: Pena-base: Circunstâncias judiciais: São 8! O juiz tem
que analisar cada uma delas para destinar uma punição necessária e suficiente à
repressão e prevenção do delito, é a busca da proporção certa (proporcionalidade).
A culpabilidade tem uma dupla fase, é um elemento do crime, é algo estrutural,
está no último nível de análise da Teoria do Delito, então quem produz um injusto
penal já produziu uma conduta típica e antijurídica, não dou uma pena para ele,
ainda tenho que fazer uma pergunta: ele é culpável, isto é, ele é passível de
censurabilidade? E para isso deve-se fazer as 3 últimas perguntas: Ele é
imputável? Ele tinha ao menos potencial consciência da ilicitude? Era exigível dele
conduta de acordo com o direito? Se sim a todas as respostas, se ele é
culpável, é reprovável! Posso não ser imputável, posso não ter consciência da
ilicitude (se, por exemplo, atuei em erro de proibição), posso estar em uma situação
em que não era exigível outra conduta, pois estava em coação moral irresistível,
em obediência hierárquica ou na inexigibilidade de conduta de acordo com o
direito, mas se não estava em alguma dessas hipóteses, sou culpável!
Culpabilidade aqui é limite não ultrapassável da pena e permanece com a ideia
de juízo de reprovação/censura. Ex.:
posso matar alguém utilizando fogo, explodindo alguma coisa e matando a pessoa
queimada, isso seria um homicídio qualificado (gravíssimo) pela circunstância “meio
insidioso ou cruel: fogo”, mas também posso matar essa pessoa da mesma forma,
mas queimando aos pouquinhos, passa o dia inteiro queimando e depois de 15
horas, o sujeito morreu queimado, a configuração é a mesma, nas 2 hipóteses o
júri condena o autor, mas o juiz deve dar a mesma pena? Não, é mais censurável/reprovável
o comportamento daquele que matou lentamente do que o que matou de uma vez só.
Outro exemplo seria eu apontar um revólver para alguém, aterrorizo o sujeito e
consigo roubá-lo, eu saio rindo, pois a arma era de brinquedo, é roubo mesmo
assim, mas não é roubo majorado por uso de arma de fogo, pois não tem arma de
fogo, mas é roubo! Mas se o sujeito produz o mesmo comportamento, aterroriza
muito a vítima com uma arma de brinquedo, faz que vai atirar, faz meia hora de
terrorismo psicológico, rouba a vítima e vai embora, produziu o mesmo crime,
com o mesmo resultado, mas esse segundo comportamento vai ser mais censurável
do que aquele primeiro que levou 30 segundos! Mas chegamos numa doutrina atual,
em que vamos encontrar a seguinte referência: “culpabilidade: esse é o momento
em que o magistrado vai analisar para medida da pena, a intensidade do dolo e o
grau da culpa!”. Intensidade do dolo e grau da culpa é algo normativamente
vinculado à Teoria Casualista da Ação, que está descartado do Brasil desde
1984, culpabilidade foi o que se colocou no lugar, então aqui não se pode falar
em intensidade do dolo e grau da culpa!
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