Fundamento
da Existência do Processo Penal: O
processo penal serve para que? Tem uma dupla função:
Serve para
exercer o poder de punir alguém, mas sempre abrir mão de respeitar regras do
jogo do processo (regras constitucionais do processo penal).
* Garantir
para punir, e punir garantindo.
-> O
processo penal é regido pelo Princípio da Necessidade, em que o processo é um
caminho necessário pra chegar à pena. Não há nenhuma possibilidade de punir
alguém sem prévio processo. Vou precisar do processo civil quando houver uma lide,
mas no processo penal não há lide, uma coisa é comprar um café e eu não pagar,
há um conflito de interesses, qualificada por uma pretensão resistida, mas no
processo penal não há lide, porque no processo penal não há negócio jurídico,
não tenho como negociar com o assaltante, nem não posso dizer que vou pagar
minha pena voluntariamente, quando há um crime, preciso do processo. O caminho necessário
para chegar numa pena é o “nulla poena, sine judicio”, ou seja, não há possibilidade
de ter pena sem prévio processo.
-> O
Princípio da Necessidade também é importante para não fazermos analogia com
TGP, nem do processo civil com processo penal, se for igual, é por acaso, não
adotar TGP para o processo penal!
Qual a
natureza jurídica do processo penal? 3 teorias mais importantes:
- Bülow (Alemão
-> 1868): Dizia que o processo
era como relação jurídica. Até Bülow pensar e desenhar essa teoria, se pensava
que processo nada mais era que o direito material em movimento, era o direito
comum, era o direito civil em movimento, era uma visão unificada, mas Bülow
disse que de um lado tinha o direito material, e de outro o processual, e há
uma relação jurídica de direito material e de direito processual. A relação jurídica
de direito material era entre credor e devedor, e a relação jurídica de direito
processual era entre autor e réu (demandante e demandado). O principal é que
são mundos distintos, ainda que próximos, autônomos e independentes, ou seja,
posso ter a relação de direito material sem ter processo, e em tese eu poderia
ter processo sem o direito material? Teorias
da Ação: Ação é um direito público e subjetivo de demandar alguém,
autônomo e abstrato. Posso iniciar um processo, demandar alguém sem que tenha
existido previamente a relação material? No cível poder eu posso, porque se
entende no cível que a ação é completamente abstrata e autônoma, ou seja, eu
posso exercer a minha ação e dar origem a um processo mesmo que não tenha
existido nada, até porque dizer se existiu ou não o direito material, dizer se
eu realmente sou credor ou devedor é algo que vai ser feito no processo, lá na
sentença, então a ação é autônoma e abstrata, essas relações jurídicas aqui são
autônomas (independentes) e abstratas, então poder eu posso, se eu vou ganhar
ou não é outra coisa. Já teve quem sustentasse que eu só teria ação se eu ganhasse
no final, mas então o que eu tive até eu ganhar? Porque mesmo que a sentença
seja improcedente existiu processo, movimentou toda máquina da administração da
justiça para o juiz chegar no final e dizer que eu não tenho o direito, mas
houve jurisdição, nasceu um processo, se desenvolveu a coisa. É por isso que é tranquila
a ideia de que são relações independentes, autônomas e que pode abrir a ação
sem que tenha havido a relação negocial, mas isso é no processo civil, mas essa
teoria de Bülow é trazida para o processo penal, mas é difícil pensar o processo
penal como relação jurídica, porque no processo penal há um crime, onde há um
agressor e uma vítima, e no processo penal a coisa vai se inverter, quando
começar o processo, a vítima vira autor através de MP ou de uma ação penal
privada, e o agressor será o réu, quem vai se sujeitar ao processo. Há a
relação jurídica, o grande problema é que a posição do Bülow é uma visão
superada, porque dá uma visão superada, uma pseudo-segurança que as coisas são
claras, há uma incerteza. Mas ele separou os mundos, contribuiu para o direito
de ação. No cível posso processar qualquer um dizendo que ele me deve dinheiro,
mas não posso sair daqui e dizer que fui estuprado por alguém, o processo não
pode começar assim, porque não posso sair e processar alguém de um ponto zero
de compreensão, em tese pode ter processo sem inquérito, mas na prática sempre
vai ter ou um inquérito, ou uma CPI, ou uma sindicância, ou uma forma de
investigar, mas o principal não é o nome, e sim é que no processo penal a relação
de autonomia e abstração não é tão clara e demarcada, pelo contrário, ela é
relativizada/mitigada, porque eu preciso primeiro investigar, trazer elementos
mínimos de autoria e materialidade, ou seja, se no processo civil eu posso
demandar alguém sem razão/ fundamento nenhum, no processo penal não pode,
porque para o juiz receber uma acusação contra alguém, ela tem que vir amparada
por um suporte probatório mínimo, ela tem que vir com o mínimo de “fumus
comissi delicti” (a fumaça da prática de um crime), daí o juiz vai olhar, dizer
que alguma coisa existe. Não posso processar criminalmente sem nenhum
fundamento, só civilmente. No processo civil lidamos com “ter”, e no processo
penal com “ser”, não é apenas a questão do dinheiro, porque só por ser
processada a pessoa recebe um estigma. Todos praticamos crimes ao longo da
vida, então não pode haver tolerância zero! Quanto maior for a necessidade de
colocar na cadeia, mais atenção tem que ter ás regras do jogo.
- James Goldschmidt
(Alemão): Escreve uma obra em 1925
onde desconstrói a teoria de Bülow, onde diz que o processo não é uma relação
jurídica, isso é uma visão insuficiente/ingênua/incapaz de representar a
complexidade do processo, Goldschmidt diz que o processo é um conjunto de
situações jurídicas, ou de uma situação jurídica, é uma posição muito mais
realista/adequada, diz que Bülow é ingênuo, diz que o processo é um conjunto de
situações jurídicas, e que o mundo do processo é um mundo de incertezas, essa é
uma concepção que pode ser perfeitamente pensada tanto no processo civil,
quanto no processo penal. O mundo do processo é um mundo de insegurança, o
símbolo da justiça é uma espada e uma balança, a Temis é a deusa da justiça em
abstrato, e a Diké é a deusa da justiça no caso concreto, em que nem tinha a
venda nos olhos ainda. A balança simboliza a igualdade entre as partes (visão
ingênua), mas na verdade é porque a balança é manipulável, pende para onde
quiser, e a espada é para exercer o poder. O Estado tem um poder de punir, mas
é um poder condicionado a devido processo, que é um poder condicionado ao
prévio e devido processo. O símbolo da justiça é a espada e a balança, o
detalhe é que o mundo das relações do direito material é estável/estático, mas
quando a guerra estoura, todos os direitos estão na ponta da espada. Quando se
entra no processo, se entra no mundo de incerteza, no mundo de expectativas,
por exemplo, digo que vendi algo e digo que alguém não me pagou, e alguém nega,
estabelece uma lide e entro com o processo, somente vamos saber se sou credor e
o dinheiro é devido na sentença, se fosse uma coisa estática, não precisaria
fazer nada e já estaria ganho, mas no processo as partes lutam para que? As
partes lutam para ganhar, mas ganhar de quem? Ganhar do juiz, ele é o ser que
temos que conquistar, o que as partes querem é lutar para obter o convencimento
do juiz, se eu convencer o juiz, ele vai dizer que ganhei, dará a decisão dele,
e ai sim vai estabilizar as coisas. O Goldschmidt diz que se entra no processo
penal com uma mochila nas costas, em que está a carga da prova, dai surgem
chances que são as oportunidades que se tem de fazer uma prova, se eu
aproveitar a chance e fizer a prova, eu alivio o peso da mochila, e quanto mais
ou melhor eu aproveitar as chances, eu caminho em direção a sentença favorável
e eu me libero da minha carga inicial, provo tudo e ganho, ou eu não aproveito
as chances, não faço a prova e não ganho, então eu tenho o jogo da vida do
processo. Entro no processo como autor e digo “ele cometeu um crime”, e o réu
diz “eu não cometi um crime”, o detalhe é que no processo penal a carga da
prova é inteiramente do acusador, primeiro porque ele faz a alegação, ele diz
que alguém cometeu um crime, então ele que tem que provar isso, e segundo
porque o processo penal é regido por um princípio constitucional básico que é o
Princípio da Presunção de Inocência, que diz que o réu é inocente até a sentença
transitar em julgado, e na dúvida ele é absolvido, se entra livre no processo,
dai vem o jogo do processo, o MP faz a prova dele, mas claro que o réu tem que
fazer alguma coisa, porque ele perde chances de obter a captura psíquica do
juiz, se ele puder fazer algo para ajudar-se, é melhor fazer, mas ele não tem
obrigação de provar nada! O acusador vai alegando, se ele provar que foi ele,
caminha a sentença favorável, mas se o acusador entra no processo, começa a
instaurar e não consegue provar nada do que está alegando, ele não consegue
provar que é crime, ele não se libertou da mochila (carga), e assim ele não vai
ganhar! O mundo do processo é um mundo de incertezas, vamos caminhando em
diferentes fases, conforme as oportunidades vamos aproveitando e no final há a
sentença, mas até a sentença tudo é incerteza/instabilidade/dúvida, e há a necessidade
de se provar/discutir/convencer, e no processo. Porque é importante saber que
no processo há incertezas, que ele é perigoso? Porque assumindo o perigo, se
fortalece o respeito às regras do jogo. Se for acusado por um crime, dependendo
do tipo de crime, a simples acusação acaba com a pessoa, como uma empresa que
era conhecida foi acusada de fraude de medicamentos, o inquérito foi concluído
e ninguém foi acusado, a empresa tinha 180 funcionários, e quando terminou o
inquérito, não tinha mais nenhum, e isso só porque saiu na mídia, mas não
adiantava mais, então tem que ter cuidado, porque às vezes o simples fato de
acusar alguém, pode fazer estragos, já é uma punição, o processo já é uma pena!
- Fazzalari (Italiano->
1924 – 2010): Pega a posição do Goldschmidt,
dá uma melhorada e diz que processo é um procedimento em contraditório, que
significa que o processo é uma estrutura dialética onde se estabelece um
procedimento regido por contraditório, que é o ponto nevrálgico da coisa, é
fundante. Se tiver um procedimento com contraditório real, gera uma sentença
que é construída em contraditório. Então, o que ele faz é fortalecer o
contraditório e a estrutura dialética para dizer que o processo é um
procedimento que se desenvolve, mas nesse desenvolvimento é crucial que se
fortaleça e se potencialize o contraditório. Na visão de Fazzalari o contraditório
tem 2 dimensões: informação e reação. Direito de informação é que as partes tem
que ter ciência do que está acontecendo, tem que ser informado das provas e
tudo mais. O segundo momento é que sabendo o que está acontecendo, tenho o direito
de reação, que é no sentido não só de resistência, mas também de participação,
é o direito de participar em igualdade de armas e condições. O contraditório
poderia ser pensado em que o contrato real é quando o juiz tem a consciência de
dar ouvido a uma parte para que ela fale, e a outra para que também fale, para
que ambas falem em igualdade de condições. Deve-se dar oitiva para ambos, tudo
igualmente. O papel do juiz no processo é de ser o garantidor no contraditório,
de ser o garantidor nas regras do jogo, não é o papel dele resolver a
criminalidade. Um juiz consciente é aquele que atrasa ao máximo a tomada de
decisão, porque só assim ele garante o direito do contraditório. O papel do
juiz é garantir o contraditório!
Terzieta = alinhamento, estranhamento –
Imparcialidade, que é uma construção técnica do processo, o juiz imparcial é o
que se mantem alheio. O papel dele não é ir atrás da prova, e sim pedir a
versão de cada um, ele mantem a igualdade, e isso que mantem o contraditório. O
papel dele é de estranhamento e alinhamento. Então o juiz é neutro? Não, imparcialidade
não é igual a neutralidade, porque não há ser no mundo neutro, claro que o juiz
é um juiz no mundo, ou seja, o juiz tem uma historicidade, há um conjunto de
valores que afetam o ato dele de julgar, não há juiz neutro porque não há ser
no mundo neutro, o juiz traz cargas que ele trouxe de onde veio, claro que a
visão de mundo dele vai ser diferente, ninguém é neutro a nada!
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