segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Direito Processual Penal I (07/08/2013)

Fundamento da Existência do Processo Penal: O processo penal serve para que? Tem uma dupla função:
Serve para exercer o poder de punir alguém, mas sempre abrir mão de respeitar regras do jogo do processo (regras constitucionais do processo penal).

* Garantir para punir, e punir garantindo.

-> O processo penal é regido pelo Princípio da Necessidade, em que o processo é um caminho necessário pra chegar à pena. Não há nenhuma possibilidade de punir alguém sem prévio processo. Vou precisar do processo civil quando houver uma lide, mas no processo penal não há lide, uma coisa é comprar um café e eu não pagar, há um conflito de interesses, qualificada por uma pretensão resistida, mas no processo penal não há lide, porque no processo penal não há negócio jurídico, não tenho como negociar com o assaltante, nem não posso dizer que vou pagar minha pena voluntariamente, quando há um crime, preciso do processo. O caminho necessário para chegar numa pena é o “nulla poena, sine judicio”, ou seja, não há possibilidade de ter pena sem prévio processo.
-> O Princípio da Necessidade também é importante para não fazermos analogia com TGP, nem do processo civil com processo penal, se for igual, é por acaso, não adotar TGP para o processo penal!

Qual a natureza jurídica do processo penal? 3 teorias mais importantes:
- Bülow (Alemão -> 1868): Dizia que o processo era como relação jurídica. Até Bülow pensar e desenhar essa teoria, se pensava que processo nada mais era que o direito material em movimento, era o direito comum, era o direito civil em movimento, era uma visão unificada, mas Bülow disse que de um lado tinha o direito material, e de outro o processual, e há uma relação jurídica de direito material e de direito processual. A relação jurídica de direito material era entre credor e devedor, e a relação jurídica de direito processual era entre autor e réu (demandante e demandado). O principal é que são mundos distintos, ainda que próximos, autônomos e independentes, ou seja, posso ter a relação de direito material sem ter processo, e em tese eu poderia ter processo sem o direito material? Teorias da Ação: Ação é um direito público e subjetivo de demandar alguém, autônomo e abstrato. Posso iniciar um processo, demandar alguém sem que tenha existido previamente a relação material? No cível poder eu posso, porque se entende no cível que a ação é completamente abstrata e autônoma, ou seja, eu posso exercer a minha ação e dar origem a um processo mesmo que não tenha existido nada, até porque dizer se existiu ou não o direito material, dizer se eu realmente sou credor ou devedor é algo que vai ser feito no processo, lá na sentença, então a ação é autônoma e abstrata, essas relações jurídicas aqui são autônomas (independentes) e abstratas, então poder eu posso, se eu vou ganhar ou não é outra coisa. Já teve quem sustentasse que eu só teria ação se eu ganhasse no final, mas então o que eu tive até eu ganhar? Porque mesmo que a sentença seja improcedente existiu processo, movimentou toda máquina da administração da justiça para o juiz chegar no final e dizer que eu não tenho o direito, mas houve jurisdição, nasceu um processo, se desenvolveu a coisa. É por isso que é tranquila a ideia de que são relações independentes, autônomas e que pode abrir a ação sem que tenha havido a relação negocial, mas isso é no processo civil, mas essa teoria de Bülow é trazida para o processo penal, mas é difícil pensar o processo penal como relação jurídica, porque no processo penal há um crime, onde há um agressor e uma vítima, e no processo penal a coisa vai se inverter, quando começar o processo, a vítima vira autor através de MP ou de uma ação penal privada, e o agressor será o réu, quem vai se sujeitar ao processo. Há a relação jurídica, o grande problema é que a posição do Bülow é uma visão superada, porque dá uma visão superada, uma pseudo-segurança que as coisas são claras, há uma incerteza. Mas ele separou os mundos, contribuiu para o direito de ação. No cível posso processar qualquer um dizendo que ele me deve dinheiro, mas não posso sair daqui e dizer que fui estuprado por alguém, o processo não pode começar assim, porque não posso sair e processar alguém de um ponto zero de compreensão, em tese pode ter processo sem inquérito, mas na prática sempre vai ter ou um inquérito, ou uma CPI, ou uma sindicância, ou uma forma de investigar, mas o principal não é o nome, e sim é que no processo penal a relação de autonomia e abstração não é tão clara e demarcada, pelo contrário, ela é relativizada/mitigada, porque eu preciso primeiro investigar, trazer elementos mínimos de autoria e materialidade, ou seja, se no processo civil eu posso demandar alguém sem razão/ fundamento nenhum, no processo penal não pode, porque para o juiz receber uma acusação contra alguém, ela tem que vir amparada por um suporte probatório mínimo, ela tem que vir com o mínimo de “fumus comissi delicti” (a fumaça da prática de um crime), daí o juiz vai olhar, dizer que alguma coisa existe. Não posso processar criminalmente sem nenhum fundamento, só civilmente. No processo civil lidamos com “ter”, e no processo penal com “ser”, não é apenas a questão do dinheiro, porque só por ser processada a pessoa recebe um estigma. Todos praticamos crimes ao longo da vida, então não pode haver tolerância zero! Quanto maior for a necessidade de colocar na cadeia, mais atenção tem que ter ás regras do jogo.
- James Goldschmidt (Alemão): Escreve uma obra em 1925 onde desconstrói a teoria de Bülow, onde diz que o processo não é uma relação jurídica, isso é uma visão insuficiente/ingênua/incapaz de representar a complexidade do processo, Goldschmidt diz que o processo é um conjunto de situações jurídicas, ou de uma situação jurídica, é uma posição muito mais realista/adequada, diz que Bülow é ingênuo, diz que o processo é um conjunto de situações jurídicas, e que o mundo do processo é um mundo de incertezas, essa é uma concepção que pode ser perfeitamente pensada tanto no processo civil, quanto no processo penal. O mundo do processo é um mundo de insegurança, o símbolo da justiça é uma espada e uma balança, a Temis é a deusa da justiça em abstrato, e a Diké é a deusa da justiça no caso concreto, em que nem tinha a venda nos olhos ainda. A balança simboliza a igualdade entre as partes (visão ingênua), mas na verdade é porque a balança é manipulável, pende para onde quiser, e a espada é para exercer o poder. O Estado tem um poder de punir, mas é um poder condicionado a devido processo, que é um poder condicionado ao prévio e devido processo. O símbolo da justiça é a espada e a balança, o detalhe é que o mundo das relações do direito material é estável/estático, mas quando a guerra estoura, todos os direitos estão na ponta da espada. Quando se entra no processo, se entra no mundo de incerteza, no mundo de expectativas, por exemplo, digo que vendi algo e digo que alguém não me pagou, e alguém nega, estabelece uma lide e entro com o processo, somente vamos saber se sou credor e o dinheiro é devido na sentença, se fosse uma coisa estática, não precisaria fazer nada e já estaria ganho, mas no processo as partes lutam para que? As partes lutam para ganhar, mas ganhar de quem? Ganhar do juiz, ele é o ser que temos que conquistar, o que as partes querem é lutar para obter o convencimento do juiz, se eu convencer o juiz, ele vai dizer que ganhei, dará a decisão dele, e ai sim vai estabilizar as coisas. O Goldschmidt diz que se entra no processo penal com uma mochila nas costas, em que está a carga da prova, dai surgem chances que são as oportunidades que se tem de fazer uma prova, se eu aproveitar a chance e fizer a prova, eu alivio o peso da mochila, e quanto mais ou melhor eu aproveitar as chances, eu caminho em direção a sentença favorável e eu me libero da minha carga inicial, provo tudo e ganho, ou eu não aproveito as chances, não faço a prova e não ganho, então eu tenho o jogo da vida do processo. Entro no processo como autor e digo “ele cometeu um crime”, e o réu diz “eu não cometi um crime”, o detalhe é que no processo penal a carga da prova é inteiramente do acusador, primeiro porque ele faz a alegação, ele diz que alguém cometeu um crime, então ele que tem que provar isso, e segundo porque o processo penal é regido por um princípio constitucional básico que é o Princípio da Presunção de Inocência, que diz que o réu é inocente até a sentença transitar em julgado, e na dúvida ele é absolvido, se entra livre no processo, dai vem o jogo do processo, o MP faz a prova dele, mas claro que o réu tem que fazer alguma coisa, porque ele perde chances de obter a captura psíquica do juiz, se ele puder fazer algo para ajudar-se, é melhor fazer, mas ele não tem obrigação de provar nada! O acusador vai alegando, se ele provar que foi ele, caminha a sentença favorável, mas se o acusador entra no processo, começa a instaurar e não consegue provar nada do que está alegando, ele não consegue provar que é crime, ele não se libertou da mochila (carga), e assim ele não vai ganhar! O mundo do processo é um mundo de incertezas, vamos caminhando em diferentes fases, conforme as oportunidades vamos aproveitando e no final há a sentença, mas até a sentença tudo é incerteza/instabilidade/dúvida, e há a necessidade de se provar/discutir/convencer, e no processo. Porque é importante saber que no processo há incertezas, que ele é perigoso? Porque assumindo o perigo, se fortalece o respeito às regras do jogo. Se for acusado por um crime, dependendo do tipo de crime, a simples acusação acaba com a pessoa, como uma empresa que era conhecida foi acusada de fraude de medicamentos, o inquérito foi concluído e ninguém foi acusado, a empresa tinha 180 funcionários, e quando terminou o inquérito, não tinha mais nenhum, e isso só porque saiu na mídia, mas não adiantava mais, então tem que ter cuidado, porque às vezes o simples fato de acusar alguém, pode fazer estragos, já é uma punição, o processo já é uma pena!
- Fazzalari (Italiano-> 1924 – 2010): Pega a posição do Goldschmidt, dá uma melhorada e diz que processo é um procedimento em contraditório, que significa que o processo é uma estrutura dialética onde se estabelece um procedimento regido por contraditório, que é o ponto nevrálgico da coisa, é fundante. Se tiver um procedimento com contraditório real, gera uma sentença que é construída em contraditório. Então, o que ele faz é fortalecer o contraditório e a estrutura dialética para dizer que o processo é um procedimento que se desenvolve, mas nesse desenvolvimento é crucial que se fortaleça e se potencialize o contraditório. Na visão de Fazzalari o contraditório tem 2 dimensões: informação e reação. Direito de informação é que as partes tem que ter ciência do que está acontecendo, tem que ser informado das provas e tudo mais. O segundo momento é que sabendo o que está acontecendo, tenho o direito de reação, que é no sentido não só de resistência, mas também de participação, é o direito de participar em igualdade de armas e condições. O contraditório poderia ser pensado em que o contrato real é quando o juiz tem a consciência de dar ouvido a uma parte para que ela fale, e a outra para que também fale, para que ambas falem em igualdade de condições. Deve-se dar oitiva para ambos, tudo igualmente. O papel do juiz no processo é de ser o garantidor no contraditório, de ser o garantidor nas regras do jogo, não é o papel dele resolver a criminalidade. Um juiz consciente é aquele que atrasa ao máximo a tomada de decisão, porque só assim ele garante o direito do contraditório. O papel do juiz é garantir o contraditório!

Terzieta = alinhamento, estranhamento – Imparcialidade, que é uma construção técnica do processo, o juiz imparcial é o que se mantem alheio. O papel dele não é ir atrás da prova, e sim pedir a versão de cada um, ele mantem a igualdade, e isso que mantem o contraditório. O papel dele é de estranhamento e alinhamento. Então o juiz é neutro? Não, imparcialidade não é igual a neutralidade, porque não há ser no mundo neutro, claro que o juiz é um juiz no mundo, ou seja, o juiz tem uma historicidade, há um conjunto de valores que afetam o ato dele de julgar, não há juiz neutro porque não há ser no mundo neutro, o juiz traz cargas que ele trouxe de onde veio, claro que a visão de mundo dele vai ser diferente, ninguém é neutro a nada!

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