segunda-feira, 4 de junho de 2012

Direito Administrativo II (04/06/2012)

Responsabilidade Extracontratual do Estado

1. Introdução: “Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 993) – É melhor chamar de responsabilidade patrimonial do Estado do que responsabilidade civil do Estado, exatamente para separar daquela responsabilidade própria do ente privado, uma coisa é uma pessoa comum estar dirigindo seu carro e provocar um acidente, outra coisa é um motorista da administração, no exercício das suas funções provocar esse mesmo acidente. A responsabilidade do Estado não é responsabilidade civil porque não é a regulada pelo Código Civil, estamos falando de responsabilidade somente patrimonial (causei um dano a 3º, quem vai arcar com esse prejuízo?), danos patrimoniais aqui. Na prática podemos dividir a responsabilidade em 2 grandes grupos: a decorrente dos contratos e a responsabilidade decorrente das atividades não relacionadas com os contratos. A diferença entre um e outro é que em se tratando de responsabilidade patrimonial o que vai regular essa responsabilidade é o contrato, ele vai prever as hipóteses de responsabilidade, há um a série de cláusulas disciplinando o contrato, e entre outras cláusulas elas dispõe sobre as questões relativas à responsabilidade (quem é responsável pelo que). Se o contrato não dispuser de maneira clara recorremos à lei, à lei 8.666, se for um contrato de concessão a lei de concessões e permissões, se for um contrato de PPP a lei que trata das PPPs, mas em princípio é  o contrato que regula isso. Mas o importante aqui é exatamente tratar das questões em que não existe contrato. Essa responsabilidade só leva em conta a questão patrimonial, e é fora do contrato. Um acidente de trânsito pode ter desdobramentos na esfera penal (teve lesão corporal ou morte), administrativos (o servidor pode sofrer uma sanção administrativa porque não cumpriu com os seus deveres próprios da função) ou civis (indenizatório, que é o que vai nos interessar aqui). O Estado tem o dever de reparar economicamente os danos lesivos na esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis. Nexo de Causalidade: o dano que o Estado vai ressarcir vai ser aquele que ele causou, de maneira direta ou indireta. Comportamentos unilaterais, porque se formos falar em questões, negócios ou relacionamentos plurilaterais, saímos da seara individual e entraremos na seara contratual. Lícitos ou ilícitos: normalmente o que se indeniza é o dano decorrente de ato ilícito, mas o mesmo ato lícito pode ser objeto de reparação/indenização, se a administração agiu conforme o direito pode ter que ressarcir o dano causado. Ex.: uma reforma para colocar canos no esgoto, durante essa colocação a administração acaba causando prejuízos aos terrenos vizinhos de onde está sendo feita a obra, o ato em si é licito, o problema é que na manutenção dessa rede foi causado um prejuízo, e esse prejuízo tem que ser reparado. A questão da licitude ou ilicitude vai importar muito mais para a ação que a administração vai tomar em relação ao servidor ou não, porque se o servidor tomou a medida no estrito cumprimento do seu dever legal, a administração indeniza e a morre por ai a questão, mas se houve prática de ato ilícito, a administração não vai só ressarcir, mas também vai ter o direito de regresso contra o servidor faltoso. Atos comissivos ou omissivos, a administração vai responder tanto pelo seu agir, quanto pela falta do seu agir, tanto pela ação quanto pela omissão (a administração deixou de praticar o ato que deveria ter praticado, como a fiscalização de uma entidade). Surge a responsabilidade para a administração quando for dever efetivo da administração prestar esse ato. A administração pode responder por atos que ela efetivamente prática (materiais), como um motorista da administração causar um acidente, ou por atos jurídicos, como um plano econômico, uma medida judicial, uma ação, uma proposta, um título público mal emitido, etc, a ideia aqui é ampliar a responsabilidade administrativa. O Estado também se submete ao direito, e como tal ele também responde pelos seus atos.
2. Teorias sobre a Responsabilidade do Estado:
- Teoria da Irresponsabilidade: a ideia era que o Estado não respondia por nada, ele era irresponsável (no sentido do dever de indenizar). Isso vigorou por muito tempo. Se ele causasse um acidente não faria nada, o particular que teria que arcar com o prejuízo causado pelo Estado.
- Teoria da Responsabilidade com Culpa ou Teoria Civilista da Culpa: se trouxe para o direito público a teoria da culpa do direito civil. O Estado vai responder pelos seus prejuízos que causou desde que seja demonstrada a sua culpa na forma do código civil. Responsabilidade Subjetiva: ação ou omissão, dano, nexo de causalidade (vínculo entre a ação/omissão e o dano) e a culpa, ou seja, para eu poder obter uma indenização do Estado tinha que demonstrar a ação/omissão do Estado (o que ele fez ou deixou de fazer), depois tinha que demostrar o dano (prejuízo) e o nexo de causalidade entre a ação/omissão e por fim a culpa, tenho que mostrar que o Estado agiu com culpa, o particular que deve correr atrás, e às vezes isso é difícil. Ex.: um conserto de uma via pública trouxe prejuízo ao meu patrimônio, como abalar as fundações da minha casa, então tenho que demonstrar a ação do Estado (fazendo a obra), o dano (realmente a casa sofreu prejuízo), o nexo de causalidade (demonstrar que os abalos na minha casa são decorrentes daquela ação do Estado) e devo demonstrar que o Estado agiu com culpa (foi negligente, imprudente, imperito) e tentar provar, que é a regra “a quem alega, cumpre o dever de provar”. A responsabilidade com culpa foi uma evolução na medida em que se reconheceu que o Estado tem responsabilidade, mas era uma responsabilidade privada, por isso fala-se em responsabilidade civil. Há uma mudança no papel do Estado, antes se falava em Estado de Polícia, que ele era encarregado exclusivamente da defesa interna, externa e da justiça, ele passou a ser um Estado Social, e na medida em que ele passou a atuar em diferentes domínios da sociedade, ele passou a ter maior riscos de produzir prejuízos, quando o Estado se preocupava só com polícia e exército, ele não tinha maiores problemas, na medida que ele vai intervindo na sociedade, ele passa a gerar maior risco para o administrado. Responsabilidade subjetiva é fundada na culpa, subjetiva tem a ver com o sujeito, vou verificar a atuação do sujeito, se ele agiu de tal maneira que implique num resultado danoso para a vítima.
- Teorias Publicistas:
   * Teoria da Culpa Administrativa (ou Teoria da Culpa no Serviço ou, ainda, Teoria da Culpa Anônima do Serviço): fundada na falta do serviço, ou seja, inexistência do serviço; mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço. – Agora trabalhamos com a ideia de culpa diferente, a culpa envolve a falta que pode ser decomposta em inexistência, mal funcionamento ou retardamento do serviço. A ideia que se tem aqui é que o Estado presta serviços públicos. Tudo que o Estado fazia era serviço público, mas agora não há mais esse pensamento tão amplo. Se o Estado deixa de fazer, faz de forma equivocada, ou faz de maneira atrasada o serviço, passa a gerar uma presunção de culpa, então a parte não precisava demonstrar de maneira pormenorizada a culpa do Estado, essa culpa era deduzida no momento que ele não faz o serviço. O particular não precisa ir atrás da culpa do Estado. A falta do serviço já pressupõe a culpa administrativa. Ainda se trabalha com a questão da culpa, mas uma culpa deduzida, uma culpa facilitada para o particular, ela está subentendida no momento em que o serviço não foi feito ou foi mal feito.
   * Teoria do Risco Administrativo (é a teoria adotada no Brasil atualmente): A obrigação de indenizar o dano surge do ato lesivo e do injusto causado à vítima pela Administração. – Não fala em momento algum em culpa. Então entramos na Responsabilidade Objetiva: ação, dano e nexo de causalidade, dispensa a culpa, não preciso demonstrar que o Estado agiu com culpa, basta eu demonstrar que houve a ação, que houve um dano e que há uma relação entre esse dano e essa ação. Na prática há uma inversão do ônus da prova, o particular alega e o Estado que corra atrás para provar que a coisa não aconteceu como o particular está dizendo. Muitas relações de consumo são fundadas na responsabilidade objetiva. Injusto do ponto de vista da visão do 3º (da vítima), não é necessariamente o ato ilícito, porque a administração também pode ter que indenizar o ato lícito.
   * Diferença entre a Teoria da Culpa Administrativa e a Teoria do Risco Administrativo: Na Teoria da Culpa Administrativa exige-se a falta do serviço, enquanto que na Teoria do Risco Administrativo exige-se apenas o fato do serviço. Na primeira a responsabilidade é presumida da falta administrativa; na segunda é inferida do fato lesivo da Administração. Não se cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionando por ação ou omissão do Poder Público. Tal teria baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados. O risco e a solidariedade social são os suportes desta doutrina. Essa teoria permite que o Poder Público afaste ou atenue o dever de indenizar demonstrando a culpa exclusiva da vítima ou, ao menos, sua ocorrência para o resultado danoso. – Na teoria da culpa administrativa se fala em culpa, na toeira do risco a culpa desaparece. Na culpa administrativa eu vou lidar com o serviço que não foi prestado ou foi mal prestado, na teoria do risco administrativo vou lidar simplesmente com um fato, a administração desempenha uma série de atividades, essas atividades são potencialmente arriscadas, elas têm a potencialidade de causar um prejuízo. Quando a administração resolve atuar em determinado seguimento, intervir em determinadas áreas, isso gera para a administração um risco inerente a qualquer atividade negociada. Se uma loja tem um estacionamento, mesmo se não cobre, se roubarem um carro lá de dentro, a responsabilidade será da loja. A questão do Estado envolve isso, no momento que o Estado começa a atuar em determinados seguimentos, ele vai assumir esse risco, o fato de a administração atuar nesse seguimento já gera para ela um dever de cuidado, o risco de eventualmente ser demandada, de responder pelos prejuízos causados. A responsabilidade objetiva do Estado só vai se dar quando estivermos tratando de ação do Estado, se a situação for de omissão (como a fiscalização), há a responsabilidade subjetiva, o sujeito vai ter que demonstrar a culpa do Estado (mas ainda há discussões sobre isso).
   * Teoria do Risco Integral: é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo. De acordo com esta teoria, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros. – Essa é uma espécie de responsabilidade que nunca chegou a ser aplicada integralmente em nenhum lugar no direito comparado. É a ideia que o Estado funcione como um garantidor geral, qualquer coisa que aconteça o Estado responde. Ex.: cai no meio da rua, o Estado responde, resolvi me suicidar e me atirei na frente de uma viatura, o Estado responde, e assim por diante. Mas essa teoria não chegou a ser aplicada na prática. Mas no caso do dano causado por acidente nuclear (mesmo se for só culpa da vítima) o Estado deve se responsabilizar, pois envolve o monopólio do uso dessa energia por parte do Estado, envolve o risco próprio desse tipo de atividade, então nesse caso, ainda que um maluco entre em Angra 1 ou Angra 2 e resolva fazer alguma coisa que causa prejuízo só a ele, como entrar num reator, o Estado terá que se responsabilizar, vai responder, tem que indenizar, tem responsabilidade objetiva, mesmo se for caso fortuito ou força maior, como cair um raio e explodir um reator nuclear.
3. A Responsabilidade Estatal no Direito Brasileiro:
- A responsabilidade estatal no Código Civil (art. 15 do CC de 1916 e art. 43 do CC de 2002):
- O art. 15 do Código Civil de 1916: “As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que causem danos a terceiros procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.” – Ainda que o artigo não fale, quando se fala “procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito”, estamos trabalhando com a ideia de culpa. O art. 15 era fundamentado na culpa, com base na atuação contrária ao direito ou na falta do dever prescrito por lei ao agente/ao Estado.
- Art. 43 do Código Civil de 2002: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessas qualidades causem danos a terceiros, ressalvando o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.” – Pessoas jurídicas de direito interno são a União, os Estados, os Municípios, Distrito Federal, suas autarquias. Esse artigo é muito parecido com o que estabelece o art. 37, § 6º da CF. Aqui nesse artigo não se fala mais em procedimento contrário ao direito, falta do dever de agir, falta de dever prescrito em lei, são responsáveis aqueles que causem danos, a ideia da responsabilidade objetiva, se causou dano, o particular tem o direito de ser ressarcido desse prejuízo. São duas relações diferentes, a relação entre a vítima e o Estado é uma, a relação entre o Estado e o seu servidor é outra (o art. 37, § 6º da CF também fala disso). A relação que se estabelece entre a vítima do dano e o Estado, a responsabilidade é objetiva. A relação entre o Estado e o servidor, se houver responsabilidade, ela é subjetiva, baseada na culpa ou dolo.
- A responsabilidade estatal na Constituição Federal (art. 37, § 6º):
- Art. 37, § 6º, da Constituição Federal: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” – O conceito é muito parecido com o próprio art. 43 do CC, a ideia é responsabilidade subjetiva vinculando a vítima e o Estado, e a responsabilidade subjetiva na relação entre o Estado e seu servidor.
3.1. Exclusão ou Atenuação da Responsabilidade Estatal:
- Fato de terceiros (exclusão): seria o fato completamente estranho a atuação estatal, implica inclusive na ausência de um dos elementos importantes para qualquer que seja a forma de responsabilidade que adotemos, que é o nexo de causalidade. Se o fato é de 3º, não tem como o Estado responder por isso. Ex,: o assalto que trouxe algum prejuízo, a vítima aciona o Estado entendendo que ele deveria ser responsabilizado por faltar segurança, mas tem se entendido que o Estado não é o garantidor universal, ele tem como prestar um serviço adequado, mas não tem como excluir todo o risco inerente a nossa vida em sociedade. O fato de 3º exclui o próprio nexo de causalidade, em princípio o Estado não teve nada a ver com a história.
- Caso fortuito ou força maior (exclusão): são situações inesperadas, que não se tem como prever, como uma catástrofe natural, um terremoto que faz com que caiam casas no Brasil, é uma situação muito improvável aqui no Brasil, o Estado não tinha como prever que isso poderia acontecer, diferentemente dos EUA que eles já estão acostumados com isso.
- Culpa exclusiva da vítima (exclusão): um veículo oficial está transitando pela rua, alguém resolve se matar e se atira na frente daquele veículo oficial, isso é culpa exclusiva da vítima, o Estado não tem como ser responsabilizado por isso. Mas excepcionalmente no caso dos reatores nucleares o Estado tem que se responsabilizar, mesmo se for culpa exclusiva da vítima.
- Culpa concorrente (atenuação): temos uma combinação de culpa, o Estado concorreu para o resultado, mas o particular também, então nesse caso, se não tem como fazer uma exclusão das culpas (que cada um responde por seu prejuízo), posso pelo menos atenuar o dever de indenizar do Estado.

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