Responsabilidade Extracontratual
do Estado
1. Introdução: “Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do
Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à
esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em
decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou
omissivos, materiais ou jurídicos.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27.
Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 993) –
É melhor chamar de responsabilidade patrimonial do Estado do que responsabilidade
civil do Estado, exatamente para separar daquela responsabilidade própria do
ente privado, uma coisa é uma pessoa comum estar dirigindo seu carro e provocar
um acidente, outra coisa é um motorista da administração, no exercício das suas
funções provocar esse mesmo acidente. A responsabilidade do Estado não é
responsabilidade civil porque não é a regulada pelo Código Civil, estamos
falando de responsabilidade somente patrimonial (causei um dano a 3º, quem vai
arcar com esse prejuízo?), danos patrimoniais aqui. Na prática podemos dividir
a responsabilidade em 2 grandes grupos: a decorrente dos contratos e a responsabilidade
decorrente das atividades não relacionadas com os contratos. A diferença entre
um e outro é que em se tratando de responsabilidade patrimonial o que vai
regular essa responsabilidade é o contrato, ele vai prever as hipóteses de
responsabilidade, há um a série de cláusulas disciplinando o contrato, e entre
outras cláusulas elas dispõe sobre as questões relativas à responsabilidade
(quem é responsável pelo que). Se o contrato não dispuser de maneira clara
recorremos à lei, à lei 8.666, se for um contrato de concessão a lei de concessões
e permissões, se for um contrato de PPP a lei que trata das PPPs, mas em
princípio é o contrato que regula isso. Mas
o importante aqui é exatamente tratar das questões em que não existe contrato.
Essa responsabilidade só leva em conta a questão patrimonial, e é fora do
contrato. Um acidente de trânsito pode ter desdobramentos na esfera penal (teve
lesão corporal ou morte), administrativos (o servidor pode sofrer uma sanção
administrativa porque não cumpriu com os seus deveres próprios da função) ou
civis (indenizatório, que é o que vai nos interessar aqui). O Estado tem o
dever de reparar economicamente os danos lesivos na esfera juridicamente
garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis. Nexo de Causalidade: o dano que
o Estado vai ressarcir vai ser aquele que ele causou, de maneira direta ou
indireta. Comportamentos unilaterais, porque se formos falar em questões, negócios
ou relacionamentos plurilaterais, saímos da seara individual e entraremos na
seara contratual. Lícitos ou ilícitos: normalmente o que se indeniza é o dano
decorrente de ato ilícito, mas o mesmo ato lícito pode ser objeto de reparação/indenização,
se a administração agiu conforme o direito pode ter que ressarcir o dano
causado. Ex.: uma reforma para colocar canos no esgoto, durante essa colocação
a administração acaba causando prejuízos aos terrenos vizinhos de onde está
sendo feita a obra, o ato em si é licito, o problema é que na manutenção dessa
rede foi causado um prejuízo, e esse prejuízo tem que ser reparado. A questão da
licitude ou ilicitude vai importar muito mais para a ação que a administração
vai tomar em relação ao servidor ou não, porque se o servidor tomou a medida no
estrito cumprimento do seu dever legal, a administração indeniza e a morre por
ai a questão, mas se houve prática de ato ilícito, a administração não vai só
ressarcir, mas também vai ter o direito de regresso contra o servidor faltoso.
Atos comissivos ou omissivos, a administração vai responder tanto pelo seu
agir, quanto pela falta do seu agir, tanto pela ação quanto pela omissão (a administração
deixou de praticar o ato que deveria ter praticado, como a fiscalização de uma
entidade). Surge a responsabilidade para a administração quando for dever
efetivo da administração prestar esse ato. A administração pode responder por
atos que ela efetivamente prática (materiais), como um motorista da administração
causar um acidente, ou por atos jurídicos, como um plano econômico, uma medida
judicial, uma ação, uma proposta, um título público mal emitido, etc, a ideia
aqui é ampliar a responsabilidade administrativa. O Estado também se submete ao
direito, e como tal ele também responde pelos seus atos.
2. Teorias sobre a Responsabilidade do Estado:
- Teoria da Irresponsabilidade: a
ideia era que o Estado não respondia por nada, ele era irresponsável (no
sentido do dever de indenizar). Isso vigorou por muito tempo. Se ele causasse
um acidente não faria nada, o particular que teria que arcar com o prejuízo
causado pelo Estado.
- Teoria da Responsabilidade com Culpa ou Teoria Civilista da Culpa:
se trouxe para o direito público a
teoria da culpa do direito civil. O Estado vai responder pelos seus prejuízos que
causou desde que seja demonstrada a sua culpa na forma do código civil. Responsabilidade Subjetiva: ação ou
omissão, dano, nexo de causalidade (vínculo entre a ação/omissão e o dano) e a
culpa, ou seja, para eu poder obter uma indenização do Estado tinha que
demonstrar a ação/omissão do Estado (o que ele fez ou deixou de fazer), depois
tinha que demostrar o dano (prejuízo) e o nexo de causalidade entre a ação/omissão
e por fim a culpa, tenho que mostrar que o Estado agiu com culpa, o particular
que deve correr atrás, e às vezes isso é difícil. Ex.: um conserto de uma via
pública trouxe prejuízo ao meu patrimônio, como abalar as fundações da minha
casa, então tenho que demonstrar a ação do Estado (fazendo a obra), o dano
(realmente a casa sofreu prejuízo), o nexo de causalidade (demonstrar que os
abalos na minha casa são decorrentes daquela ação do Estado) e devo demonstrar
que o Estado agiu com culpa (foi negligente, imprudente, imperito) e tentar
provar, que é a regra “a quem alega, cumpre o dever de provar”. A
responsabilidade com culpa foi uma evolução na medida em que se reconheceu que
o Estado tem responsabilidade, mas era uma responsabilidade privada, por isso
fala-se em responsabilidade civil. Há uma mudança no papel do Estado, antes se
falava em Estado de Polícia, que ele era encarregado exclusivamente da defesa
interna, externa e da justiça, ele passou a ser um Estado Social, e na medida em
que ele passou a atuar em diferentes domínios da sociedade, ele passou a ter
maior riscos de produzir prejuízos, quando o Estado se preocupava só com
polícia e exército, ele não tinha maiores problemas, na medida que ele vai
intervindo na sociedade, ele passa a gerar maior risco para o administrado.
Responsabilidade subjetiva é fundada na culpa, subjetiva tem a ver com o
sujeito, vou verificar a atuação do sujeito, se ele agiu de tal maneira que
implique num resultado danoso para a vítima.
- Teorias Publicistas:
* Teoria da Culpa
Administrativa (ou Teoria da Culpa no Serviço ou, ainda, Teoria da Culpa Anônima
do Serviço): fundada na falta do
serviço, ou seja, inexistência do serviço; mau funcionamento do serviço ou
retardamento do serviço. – Agora
trabalhamos com a ideia de culpa diferente, a culpa envolve a falta que pode
ser decomposta em inexistência, mal funcionamento ou retardamento do serviço. A
ideia que se tem aqui é que o Estado presta serviços públicos. Tudo que o
Estado fazia era serviço público, mas agora não há mais esse pensamento tão
amplo. Se o Estado deixa de fazer, faz de forma equivocada, ou faz de maneira
atrasada o serviço, passa a gerar uma presunção de culpa, então a parte não
precisava demonstrar de maneira pormenorizada a culpa do Estado, essa culpa era
deduzida no momento que ele não faz o serviço. O particular não precisa ir
atrás da culpa do Estado. A falta do serviço já pressupõe a culpa
administrativa. Ainda se trabalha com a questão da culpa, mas uma culpa
deduzida, uma culpa facilitada para o particular, ela está subentendida no
momento em que o serviço não foi feito ou foi mal feito.
*
Teoria do Risco Administrativo (é a teoria adotada no Brasil atualmente): A obrigação de indenizar o dano surge do ato lesivo e do
injusto causado à vítima pela Administração. – Não fala em momento algum
em culpa. Então entramos na Responsabilidade
Objetiva: ação, dano e nexo de causalidade, dispensa a culpa, não preciso
demonstrar que o Estado agiu com culpa, basta eu demonstrar que houve a ação, que
houve um dano e que há uma relação entre esse dano e essa ação. Na prática há uma
inversão do ônus da prova, o particular alega e o Estado que corra atrás para
provar que a coisa não aconteceu como o particular está dizendo. Muitas
relações de consumo são fundadas na responsabilidade objetiva. Injusto do ponto
de vista da visão do 3º (da vítima), não é necessariamente o ato ilícito,
porque a administração também pode ter que indenizar o ato lícito.
*
Diferença entre a Teoria da Culpa Administrativa e a Teoria do Risco Administrativo:
Na Teoria da Culpa Administrativa exige-se a
falta do serviço, enquanto que na Teoria do Risco Administrativo exige-se
apenas o fato do serviço. Na primeira a responsabilidade é presumida da falta
administrativa; na segunda é inferida do fato lesivo da Administração. Não se
cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima
demonstre o fato danoso e injusto ocasionando por ação ou omissão do Poder
Público. Tal teria baseia-se no risco que a atividade pública gera para os
administrados. O risco e a solidariedade social são os suportes desta doutrina.
Essa teoria permite que o Poder Público afaste ou atenue o dever de indenizar
demonstrando a culpa exclusiva da vítima ou, ao menos, sua ocorrência para o
resultado danoso. – Na teoria da culpa administrativa se fala em culpa,
na toeira do risco a culpa desaparece. Na culpa administrativa eu vou lidar com
o serviço que não foi prestado ou foi mal prestado, na teoria do risco
administrativo vou lidar simplesmente com um fato, a administração desempenha
uma série de atividades, essas atividades são potencialmente arriscadas, elas
têm a potencialidade de causar um prejuízo. Quando a administração resolve atuar
em determinado seguimento, intervir em determinadas áreas, isso gera para a
administração um risco inerente a qualquer atividade negociada. Se uma loja tem
um estacionamento, mesmo se não cobre, se roubarem um carro lá de dentro, a
responsabilidade será da loja. A questão do Estado envolve isso, no momento que
o Estado começa a atuar em determinados seguimentos, ele vai assumir esse
risco, o fato de a administração atuar nesse seguimento já gera para ela um
dever de cuidado, o risco de eventualmente ser demandada, de responder pelos prejuízos
causados. A responsabilidade objetiva do Estado só vai se dar quando estivermos
tratando de ação do Estado, se a situação for de omissão (como a fiscalização),
há a responsabilidade subjetiva, o sujeito vai ter que demonstrar a culpa do
Estado (mas ainda há discussões sobre isso).
*
Teoria do Risco Integral: é a modalidade
extremada da doutrina do risco administrativo. De acordo com esta teoria, a
Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por
terceiros. – Essa é uma espécie de responsabilidade que nunca chegou a
ser aplicada integralmente em nenhum lugar no direito comparado. É a ideia que
o Estado funcione como um garantidor geral, qualquer coisa que aconteça o
Estado responde. Ex.: cai no meio da rua, o Estado responde, resolvi me
suicidar e me atirei na frente de uma viatura, o Estado responde, e assim por
diante. Mas essa teoria não chegou a ser aplicada na prática. Mas no caso do dano
causado por acidente nuclear (mesmo se for só culpa da vítima) o Estado deve se
responsabilizar, pois envolve o monopólio do uso dessa energia por parte do
Estado, envolve o risco próprio desse tipo de atividade, então nesse caso, ainda
que um maluco entre em Angra 1 ou Angra 2 e resolva fazer alguma coisa que
causa prejuízo só a ele, como entrar num reator, o Estado terá que se
responsabilizar, vai responder, tem que indenizar, tem responsabilidade
objetiva, mesmo se for caso fortuito ou força maior, como cair um raio e
explodir um reator nuclear.
3. A Responsabilidade Estatal no Direito Brasileiro:
- A responsabilidade estatal no Código Civil (art. 15 do CC de
1916 e art. 43 do CC de 2002):
- O art. 15 do Código Civil de 1916: “As pessoas jurídicas de direito
público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que causem
danos a terceiros procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever
prescrito, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.” – Ainda
que o artigo não fale, quando se fala “procedendo de modo contrário ao direito
ou faltando a dever prescrito”, estamos trabalhando com a ideia de culpa. O
art. 15 era fundamentado na culpa, com base na atuação contrária ao direito ou
na falta do dever prescrito por lei ao agente/ao Estado.
- Art. 43 do Código Civil de 2002: “As pessoas jurídicas de direito
público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que
nessas qualidades causem danos a terceiros, ressalvando o direito regressivo
contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”
– Pessoas jurídicas de direito interno são a União, os Estados, os Municípios,
Distrito Federal, suas autarquias. Esse artigo é muito parecido com o que
estabelece o art. 37, § 6º da CF. Aqui nesse artigo não se fala mais em
procedimento contrário ao direito, falta do dever de agir, falta de dever
prescrito em lei, são responsáveis aqueles que causem danos, a ideia da
responsabilidade objetiva, se causou dano, o particular tem o direito de ser
ressarcido desse prejuízo. São duas relações diferentes, a relação entre a vítima
e o Estado é uma, a relação entre o Estado e o seu servidor é outra (o art. 37,
§ 6º da CF também fala disso). A relação que se estabelece entre a vítima do
dano e o Estado, a responsabilidade é objetiva. A relação entre o Estado e o
servidor, se houver responsabilidade, ela é subjetiva, baseada na culpa ou
dolo.
- A responsabilidade estatal na Constituição Federal (art. 37,
§ 6º):
- Art. 37, § 6º, da Constituição Federal: “As pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa.” – O conceito é muito parecido com o próprio art. 43 do CC, a
ideia é responsabilidade subjetiva vinculando a vítima e o Estado, e a responsabilidade
subjetiva na relação entre o Estado e seu servidor.
3.1. Exclusão ou Atenuação da Responsabilidade Estatal:
- Fato de terceiros (exclusão): seria
o fato completamente estranho a atuação estatal, implica inclusive na ausência de
um dos elementos importantes para qualquer que seja a forma de responsabilidade
que adotemos, que é o nexo de causalidade. Se o fato é de 3º, não tem como o Estado
responder por isso. Ex,: o assalto que trouxe algum prejuízo, a vítima aciona o
Estado entendendo que ele deveria ser responsabilizado por faltar segurança,
mas tem se entendido que o Estado não é o garantidor universal, ele tem como
prestar um serviço adequado, mas não tem como excluir todo o risco inerente a
nossa vida em sociedade. O fato de 3º exclui o próprio nexo de causalidade, em
princípio o Estado não teve nada a ver com a história.
- Caso fortuito ou força maior (exclusão): são situações inesperadas, que não se tem como prever, como uma
catástrofe natural, um terremoto que faz com que caiam casas no Brasil, é uma
situação muito improvável aqui no Brasil, o Estado não tinha como prever que
isso poderia acontecer, diferentemente dos EUA que eles já estão acostumados
com isso.
- Culpa exclusiva da vítima (exclusão): um veículo oficial está transitando pela rua, alguém resolve se
matar e se atira na frente daquele veículo oficial, isso é culpa exclusiva da
vítima, o Estado não tem como ser responsabilizado por isso. Mas
excepcionalmente no caso dos reatores nucleares o Estado tem que se
responsabilizar, mesmo se for culpa exclusiva da vítima.
- Culpa concorrente (atenuação): temos uma combinação de culpa, o Estado concorreu para o
resultado, mas o particular também, então nesse caso, se não tem como fazer uma
exclusão das culpas (que cada um responde por seu prejuízo), posso pelo menos
atenuar o dever de indenizar do Estado.
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